São Paulo, quinta-feira, 03 de maio de 2007

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"Cólera" pode derrotar candidata socialista

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Se vale de fato a lei não escrita que diz que o candidato que perde a calma perde o debate, então a socialista Ségolène Royal auto-derrotou-se ontem, ao se afirmar "muito encolerizada" em certo momento de sua discussão com o direitista Nicolas Sarkozy.
A "cólera" de Royal surgiu na meia hora final de um programa que passou das duas horas previstas e foi causada por um assunto muito específico. Tratava-se do tratamento a ser dado nas escolas francesas às crianças com deficiências.
Sarkozy havia dito que, em seu eventual futuro governo, as famílias com crianças nessa situação que não obtivessem vaga em uma escola pública teriam o direito de recorrer aos tribunais para consegui-la.
É "escandaloso", é uma "imoralidade política", dizia Royal, com o dedo em riste em direção ao adversário. "Escandaloso", em primeiro lugar, porque ela acha que é dever do Estado dar vaga a tais crianças (e a todas as demais), sem que seja preciso chegar aos tribunais. Em segundo lugar, porque o governo de que Sarkozy fez parte teria cortado funcionários que ajudavam essas crianças.
Mas é também possível que o descontrole ajude a socialista a ganhar votos, se o eleitorado entender que sua cólera foi "sadia", conforme ela própria a designou. Principalmente se Sarkozy tiver sido visto como frio ante o sofrimento de crianças.
De todo modo, a reação de Royal não combina com a imagem protetora e benévola que adotou ao longo da campanha, uma espécie de "mãezona" querendo cuidar do que chamou de "filhos da República". A cólera era esperada do outro lado, na medida em que Sarkozy é descrito, por adversários e alguns amigos, como impiedoso.
A "cólera" foi a rigor o único momento em que os dois candidatos saíram do script habitual desse tipo de evento. Ambos tinham na ponta da língua todos os números sobre os assuntos abordados e usaram-nos para reiterar programas que já haviam sido exaustivamente expostos na campanha.
Logo de saída, Sarkozy tirou do coldre um rótulo bem conhecido dos brasileiros desde que o então líder sindical Luiz Antônio de Medeiros, ex-deputado, lançou o slogan "sindicalismo de resultados" para se contrapor a um suposto sindicalismo ideológico da CUT.
O candidato direitista disse que pretendia ser "um presidente de resultados". Ségolène Royal não ficou atrás: quer ser "a presidente daquilo que funciona", o que é a mesma coisa.
Nessa toada, a política propriamente dita esteve muito ausente do debate, na medida em que os dois finalistas posaram muito mais como gerentes. O que talvez seja até calculado, na medida em que há, na França como na maioria dos países, indiferença em relação aos políticos, quando não rechaço.
Como gerentes, no entanto, havia uma diferença importante entre eles: Royal mais de uma vez jogava os detalhes de alguma proposta para "a discussão com os parceiros sociais" (outra semelhança com o Brasil de Lula e seu "Conselhão"). Sarkozy, ao contrário, decretava o que faria.
Segunda diferença: Sarkozy, como bom e orgulhoso direitista, rejeitou uma e outra vez o "igualitarismo", para manifestar sua crença no "mérito", ao passo que Royal, como boa socialista, punha ênfase nas injustiças sociais. Menos no que diz respeito à violência, para a qual a socialista defendeu punições firmes, sem atribuir o crime apenas a problemas sociais.


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