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"Cólera" pode derrotar candidata socialista
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PARIS
Se vale de fato a lei não escrita que diz que o candidato que
perde a calma perde o debate,
então a socialista Ségolène Royal auto-derrotou-se ontem, ao
se afirmar "muito encolerizada" em certo momento de sua
discussão com o direitista Nicolas Sarkozy.
A "cólera" de Royal surgiu na
meia hora final de um programa que passou das duas horas
previstas e foi causada por um
assunto muito específico. Tratava-se do tratamento a ser dado nas escolas francesas às
crianças com deficiências.
Sarkozy havia dito que, em
seu eventual futuro governo, as
famílias com crianças nessa situação que não obtivessem vaga em uma escola pública teriam o direito de recorrer aos
tribunais para consegui-la.
É "escandaloso", é uma "imoralidade política", dizia Royal,
com o dedo em riste em direção
ao adversário. "Escandaloso",
em primeiro lugar, porque ela
acha que é dever do Estado dar
vaga a tais crianças (e a todas as
demais), sem que seja preciso
chegar aos tribunais. Em segundo lugar, porque o governo
de que Sarkozy fez parte teria
cortado funcionários que ajudavam essas crianças.
Mas é também possível que o
descontrole ajude a socialista a
ganhar votos, se o eleitorado
entender que sua cólera foi "sadia", conforme ela própria a designou. Principalmente se Sarkozy tiver sido visto como frio
ante o sofrimento de crianças.
De todo modo, a reação de
Royal não combina com a imagem protetora e benévola que
adotou ao longo da campanha,
uma espécie de "mãezona"
querendo cuidar do que chamou de "filhos da República". A
cólera era esperada do outro lado, na medida em que Sarkozy é
descrito, por adversários e alguns amigos, como impiedoso.
A "cólera" foi a rigor o único
momento em que os dois candidatos saíram do script habitual desse tipo de evento. Ambos tinham na ponta da língua
todos os números sobre os assuntos abordados e usaram-nos para reiterar programas
que já haviam sido exaustivamente expostos na campanha.
Logo de saída, Sarkozy tirou
do coldre um rótulo bem conhecido dos brasileiros desde
que o então líder sindical Luiz
Antônio de Medeiros, ex-deputado, lançou o slogan "sindicalismo de resultados" para se
contrapor a um suposto sindicalismo ideológico da CUT.
O candidato direitista disse
que pretendia ser "um presidente de resultados". Ségolène
Royal não ficou atrás: quer ser
"a presidente daquilo que funciona", o que é a mesma coisa.
Nessa toada, a política propriamente dita esteve muito
ausente do debate, na medida
em que os dois finalistas posaram muito mais como gerentes.
O que talvez seja até calculado,
na medida em que há, na França como na maioria dos países,
indiferença em relação aos políticos, quando não rechaço.
Como gerentes, no entanto,
havia uma diferença importante entre eles: Royal mais de
uma vez jogava os detalhes de
alguma proposta para "a discussão com os parceiros sociais" (outra semelhança com o
Brasil de Lula e seu "Conselhão"). Sarkozy, ao contrário,
decretava o que faria.
Segunda diferença: Sarkozy,
como bom e orgulhoso direitista, rejeitou uma e outra vez o
"igualitarismo", para manifestar sua crença no "mérito", ao
passo que Royal, como boa socialista, punha ênfase nas injustiças sociais. Menos no que
diz respeito à violência, para a
qual a socialista defendeu punições firmes, sem atribuir o crime apenas a problemas sociais.
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