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Brasil busca meio-termo na relação com governo do Irã
Sob críticas por visita de Ahmadinejad, governo prevê intercâmbio pragmático
Itamaraty quer evitar viés ideológico; Teerã busca reativar relações comerciais, afetadas por sanções do Conselho de Segurança
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Sob a expectativa de pesados
protestos, Luiz Inácio Lula da
Silva recebe na próxima quarta-feira um dos mais polêmicos
líderes mundiais, o presidente
do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Para o Brasil, é um passo
para ratificar a política externa
independente das grandes potências. Para o Irã, uma tentativa de fugir ao isolamento. E, para ambos, o reaquecimento das
relações comerciais.
A intenção do Planalto e do
Itamaraty é estabelecer com o
Irã relações político-comerciais pragmáticas, livres de conotações ideológicas e no
meio-termo entre as que os Estados Unidos e a Venezuela têm
com o país. Nem de rechaço,
nem de aliança automática.
Na prática, significa que o
Brasil quer ampliar os canais de
diálogo e a cooperação bilateral
em diferentes áreas, mas mantendo uma distância crítica.
O Irã, primeira República Islâmica do mundo, tem sistematicamente confrontado o Ocidente. Apesar de integrar o
Tratado de Não Proliferação
Nuclear, mantém um programa nuclear cercado de controvérsias e adota posições de hostilidade aberta a Israel em foros
multilaterais.
Exemplo mais recente: em
discurso na conferência de Direitos Humanos da ONU, mês
passado, Ahmadinejad questionou o Holocausto e chamou Israel de racista, afugentando delegações europeias. O Brasil
não se retirou, mas reagiu com
nota de repúdio, um discurso
no mesmo foro e chamando o
embaixador iraniano em Brasília para esclarecimentos.
Sanções e negócios
O cerco político tem tido
drásticos efeitos econômicos
para o Irã, mesmo o país alegando que não tem bomba atômica nem pretende ter. A Arábia Saudita é o maior parceiro
comercial do Brasil no Oriente
Médio, mas o Irã já foi o principal destino das exportações
brasileiras, com vendas de US$
1.837 bilhão em 2007. Esse valor, porém, sofreu uma queda
abrupta de quase 40%, chegando a US$ 1,1 bilhão em 2008.
O principal motivo é falta de
aval internacional para os negócios iranianos, especialmente depois de uma resolução do
Conselho de Segurança da
ONU, por pressão norte-americana, exortando os países a não
assumirem acordos financeiros
com o Irã por causa dos programas nuclear e de mísseis do
país, parte do "eixo do mal" da
era Bush.
Há, ainda, um imenso desequilíbrio no comércio, a favor
do Brasil. Apesar de se manter
entre os maiores compradores
de produtos brasileiros, o Irã
não consegue vender praticamente nada ao país. As importações brasileiras foram só de
US$ 11 milhões em 2007 e de
US$ 14 milhões no ano passado.
Ahmadinejad, frequentador
assíduo da Venezuela, pretende
ampliar sua penetração na
América Latina e também suavizar o bloqueio financeiro ao
Irã, que não consegue aval de
bancos europeus, por exemplo,
para suas cartas de crédito.
Além da maior delegação de
empresários que já levou ao exterior, ele trará também uma
proposta específica: uma flexibilização do Banco Central para os financiamentos iranianos.
Conforme a Folha apurou, entretanto, ele não será atendido,
pelo menos não já.
Outros itens da pauta serão
investimentos em petróleo, siderurgia e petroquímica, já que
o petróleo é responsável por
mais de 80% das exportações
iranianas. Mas, como o Irã é o
único país do Oriente Médio
que cultiva cana de açúcar, Lula e Ahmadinejad também discutirão cooperação na área de
biocombustíveis.
A expectativa de Planalto e
Itamaraty, porém, é que a visita
não renda efeitos concretos em
qualquer área e tenha mais um
caráter político, de arejamento
nas relações e de promessas futuras na área de comércio.
O passo seguinte será uma
possível viagem de Lula a Teerã. Nunca um presidente brasileiro foi ao país. E o Irã é o único grande emergente que Lula
ainda não visitou. Mas a ida está condicionada a uma maior
acomodação do regime iraniano à convivência internacional.
Na avaliação de diplomatas,
Ahmadinejad tende a manter o
tom de confronto até disputar
a reeleição, em junho.
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