São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

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Nossa derrota serviu de exemplo político, dizem ex-mineiros grevistas

PEDRO DIAS LEITE
ENVIADO ESPECIAL A BARNSLEY E ORGREAVE

Antes do confronto, eles somavam 200 mil, espalhados por 130 minas de carvão. Vinte cinco anos depois, não passam de 1.800, em apenas seis minas restantes. Nenhuma trajetória expõe tão bem a visão econômica dos anos Thatcher quanto a dos mineiros britânicos, reduzidos a pó depois de uma greve de 16 meses, em 1984 e 1985, que terminou em nada.
Ao quebrar o então mais poderoso sindicato do país, Thatcher fez valer seu programa de fechar as minas, mas conseguiu mais do que isso. Daquele ponto em diante, todos os sindicatos do país sabiam que não era possível contestar o governo, que o neoliberalismo e o enfraquecimento dos direitos trabalhistas estavam ali para ficar.
Nas ruas de casinhas iguais, os tempos difíceis provocados pela recessão dos anos 80 parecem mais distantes, ao menos na superfície. Mas basta surgir o nome de Thatcher para ódios antigos surgirem das profundezas onde estavam enterrados.
"A maioria dos sindicatos viu como ela nos destruiu, então perceberam que não havia nada a fazer, porque senão seriam destruídos também", afirma Chris Kitchen, 42, secretário-geral do que restou da NUM (Sindicato Nacional dos Mineiros, na sigla em inglês), na sede da entidade, em Barnsley.
A economia sofreu uma mudança radical, mas os efeitos das mudanças dos anos Thatcher ainda deixam a região comparativamente pior que outras partes do país.
"Algumas partes do país continuam a sofrer dos problemas econômicos resultantes do declínio do emprego tradicional -especialmente em mineração, aço e manufatura. Esses problemas têm raízes profundas e tem havido progresso em remediá-los", dizia um relatório encomendado pelo então premiê, Tony Blair, em 1999.
O quadro não mudou muito, uma década depois. Outro levantamento, do ano passado, mostra que a diferença entre essa região e as outras estava aumentando. O salário semanal por aqui era um terço menor do que no resto do país.
Na sala que reunia centenas de trabalhadores durante a greve, agora vazia, Kitchen relembra com amargor daquele tempo. Então com 16 anos, ele participou de um dos momentos definidores daquela greve, a "Batalha de Orgreave", quando milhares de grevistas e policiais se enfrentaram, há 25 anos.
"Aquele dia foi o ponto em que me dei conta de que era muito mais do que uma disputa industrial, era uma questão política", diz Kitchen, reclamando da "brutalidade policial" e da "manipulação da mídia".

Descampado
Desde então, o mineiro nunca mais pisou lá. "Não há nada para ver lá."
De fato, no lugar onde milhares de homens trabalhavam em minas de carvão existe hoje apenas um grande descampado, algumas máquinas paradas e meia dúzia de trabalhadores.
"O carvão que tinha aqui acabou faz uns dois anos. Depois que fecharam as minas, a empresa que comprou a área tirou o que restava do carvão a céu aberto e agora não há nada", conta Sam Willoughby, 48, um dos homens que cuidam do local, ele próprio há 28 anos na indústria mineradora.
"A greve foi muito triste. Quando você saía do colégio, se sua família era de mineiros, só havia uma coisa a fazer, e era ir trabalhar nas minas. Meus dois avós trabalhavam, meu pai, meus tios, meus irmãos. A minha geração é a última, isso acabou", afirma.
Entre os que participaram ativamente da greve, a profissão ficou para trás, mas as lembranças continuam. "É tão estranho, toda vez que vou ao trabalho eu sempre passo por ali, onde trabalhei por 18 anos, não tem como deixar a memória para trás", diz John Bebe, 55, que hoje em dia cuida de crianças autistas. "Passei dois anos sem saber o que fazer, me separei, não sei onde foram parar os amigos. Muita coisa fechou, não é o que costumava ser."
O ódio a Thatcher, comum entre os ex-trabalhadores, só é amenizado pela lembrança da Guerra das Falklands (nessa região ninguém se refere ao conflito como Guerra das Malvinas). "Daquilo eu gostei, a velha Maggie foi lá e protegeu o que era nosso, era uma mulher forte, tipo [Winston] Churchill", defende Martin Wainwright, 58, num pub local.


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