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Estilo da "dama de ferro" refletia embate de classes
Ascensão de nova classe média não sindicalizada explica triunfos e autoritarismo de Thatcher
Vitória britânica na Guerra das Malvinas também ajudou a consolidar poder e imagem de uma governante que tinha "força e decisão"
DA REPORTAGEM LOCAL
DE LONDRES
As sucessivas eleições e o estilo duro, quase autoritário, de
Margaret Thatcher foram o resultado das conquistas e conflitos -econômicos e sociais- do
modelo de país que ela ajudou a
enterrar.
Uma dessas conquistas foi o
poder dos sindicatos e a elevação do padrão de vida dos trabalhadores britânicos. Entre
1978 e 1979, na tentativa de
conter a inflação, o então governo trabalhista determinou
limites ao aumento de salários
de funcionários públicos.
Ferroviários, motoristas de
ambulância, lixeiros e coveiros,
entre outros, fizeram paralisações em protesto.
Um dos grupos mais insatisfeitos com a "chantagem" e a
"desordem" -como viam a situação- impostas ao país pelos
sindicatos era uma nova classe
média cuja ascensão social se
deu justamente como resultado das conquistas do Estado de
bem-estar social britânico, vigente desde a década de 40.
Há um exemplo "clichê", diz
Tony Judt, autor de "Pós-Guerra" (Objetiva), do representante dessa nova classe, que em
1979 pendeu para Thatcher.
"Um corretor imobiliário, cujo
pai havia sido operário numa
fábrica de carros, e que agora
usa gravata, tem sua própria casa, embora na verdade não tenha lá muito dinheiro."
"Essa classe de pessoas que
ascenderam socialmente, que
não eram sindicalizadas, e pertenciam majoritariamente ao
setor de serviços, compunha a
"foto" sociológica do eleitor de
Thatcher", ele diz.
O também historiador Kenneth Maxwell diz que havia claramente uma oposição entre os
dois grupos.
"Era uma situação de crise, e
ela recebeu o mandato para enfrentá-la. Capturou essa fantasia de uma classe média que se
acreditava o que havia de melhor no Reino Unido do pós-guerra, e entregou o que prometia -uma política fiscal restritiva, limpar e acabar com o
poder dos sindicatos."
É possível entender, assim,
que seu estilo de confronto
-com sindicatos, com a oposição- fizesse tanto sucesso político com os eleitores.
Mineiros e Malvinas
Assim foi forjada a ideia da
"dama de ferro", que em 1984 e
1985 enfrentou uma dura greve
de mineiros, que durou um ano,
sem fazer concessões. Ao final,
a derrota desse grupo, somada
a reformas trabalhistas, representou uma pá de cal no movimento operário no país.
A consolidação de sua liderança, dizem os historiadores,
viera antes, em 1982, durante a
Guerra das Malvinas. A vitória
britânica sobre a Argentina,
que reclamava como suas as
ilhas que eram território do
Reino Unido desde o século 19,
reforçou não só sua imagem como a do próprio país.
Para Tony Judt, Thatcher
usou a guerra como "um símbolo duplo": "Da sua força e decisão, e da recuperação do Reino Unido de sua decadência
-econômica e imperial- e fraqueza nos anos 70."
Maxwell vê num "comprometimento pessoal" da primeira-ministra a possibilidade de
vitória contra a Argentina.
"Quando você pensa que as frotas tiveram que atravessar o
Atlântico... . Um outro líder, eu
creio, teria cedido. Foi aí que o
seu caráter durão funcionou",
ele diz. "Depois disso, ela se tornou mais e mais autoritária."
O uso que Thatcher fez do
apoio e poder acumulados
criou uma espécie de paradoxo
entre sua atuação política e
seus ideais liberais nos campos
social e econômico.
A grande defensora da redução dos poderes do Estado centralizou o poder, limitando e
até cassando poderes locais. Sete grandes administrações regionais, todas encabeçadas por
trabalhistas, foram extintas em
1986, entre eles o Greater London Council.
Em 2000, já sob governo trabalhista, a figura de um "prefeito" para Londres foi recriada. O
eleito de certa forma reassumia
o poder, embora formalmente
os cargos fossem distintos, já
que o trabalhista Ken Livingstone administrava a cidade
quando sua função foi extinta,
em 1986.
No dia da posse, começou assim o seu discurso para os londrinos: "Como eu estava falando antes de ser tão rudemente
interrompido 14 anos atrás...".
(RAFAEL CARIELLO E PEDRO DIAS LEITE)
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