São Paulo, domingo, 03 de junho de 2007

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Passado alimenta ideologia nacionalista

Explosão do turismo interno na China estimula a recuperação de monumentos que exaltam feitos de antigas dinastias

Ênfase na continuidade histórica combina com apelo à unidade nacional; budismo é tolerado, com imagens em ruas e lojas

EM PEQUIM

Os turistas chineses, em grupos familiares que reúnem dos avós ao neto único paparicado, lotam o teatro do Paraíso Tang, parque recém-inaugurado em um subúrbio de Xian, para assistir ao musical em cinco atos "Sonho de Volta às Glórias da Dinastia Tang". Como o nome do parque, o espetáculo faz alusão a um dos períodos mais prósperos da história chinesa, de abertura comercial e trocas culturais com o exterior.
O libreto do musical funciona como um resumo de tudo o que o regime chinês gostaria de ver associado ao país hoje: "força e prestígio militar", "visão ampla e tolerância", "paz e prosperidade". Talvez não seja coincidência o fato de "A Maldição da Flor Dourada", último filme do cineasta Zhang Yimou, responsável pela abertura da Olimpíada de 2008 em Pequim, se passar também durante a dinastia Tang (séculos 7 a 10).
A China vive um boom do turismo interno e externo (é o quarto destino do mundo) e os chineses que viajam a Pequim ainda fazem fila para posar sob o retrato de Mao Tsé-tung que encima os portões da Cidade Proibida, antigo palácio imperial fechado à plebe. Mas relíquias de tempos mais antigos, testemunhas da continuidade histórica do país, são restauradas e atraem multidões, o que combina com o apelo oficial à harmonia e à unidade nacional.
Em Hangzhou, capital da Província costeira de Zhejiang, centro turístico e de produção de seda, uma relíquia budista encontrada nos escombros do pagode Leifeng, reconstruído há cinco anos, é venerada por fiéis com direito a almofada. Há altares em lojas e imagens de budas em ruas comerciais.
O governo reprimiu com violência, em 1999, os adeptos do culto Falun Gong, mas o filósofo Confúcio (551-459 AC) está em processo de reabilitação. Não há nisso, escreveu o acadêmico chinês Henry Zhao, motivo de estranhamento. Os ensinamentos confucianos, que enfatizam a ordem e o equilíbrio, já haviam sido recriados como ideologia oficial por várias dinastias imperiais.
Em Xangai, o Museu Histórico transmite um quadro surpreendentemente positivo da trajetória da cidade, apesar das concessões territoriais a britânicos, alemães e franceses no século 19. Está registrado o aviso infame de acesso vedado a "cães e chineses", mas a mostra destaca o contato com o exterior como prova da tradição cosmopolita da metrópole.
Na mansão de Hu Xueyan, em Hangzhou, os quartos do comerciante do século 19 e suas concubinas abrigaram, durante a Revolução Cultural (1966-1976), 30 famílias. Restaurada, a casa foi aberta aos turistas.
Em Pequim, há um movimento para salvar o que resta dos "hutongs", becos em que moravam gerações de famílias. A maior parte da velha cidade plebéia abriu caminho para avenidas, já nos anos 50, ou para o boom imobiliário recente. Hoje, na capital como em Xangai, a hierarquia está na idade dos edifícios. Os pobres e remediados moram em conjuntos de cinco andares, sem elevador, da época maoísta. A classe média, em prédios dos anos 1980, com o acabamento ainda grosseiro. Os muito bem-sucedidos, nos novos condomínios. (CA)


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