São Paulo, domingo, 03 de junho de 2007

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Vitória de 1967 pesa sobre Israel

Guerra dos Seis Dias, que completa 40 anos, deixou ao Estado israelense legado de intranqüilidade

Inicialmente fora dos planos, expansão territorial causou conflitos entre povos e gerou fanatismo que persistem até hoje

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM

A guerra que não terminou completa, na próxima terça-feira, quatro décadas de feridas abertas. Em apenas seis dias, em junho de 1967, Israel derrotou três Exércitos árabes, conquistou territórios que ampliaram seu tamanho em quase três vezes e afastou pela força das armas o fantasma de ser riscado do mapa que rondava sua jovem existência desde a fundação, 19 anos antes.
A vitória militar incontestável, entretanto, criou armadilhas políticas das quais até hoje Israel não conseguiu se livrar.
Mesmo quem pouco sabe do conflito árabe-israelense e nunca ouviu falar da Guerra dos Seis Dias conhece suas conseqüências. Quarenta anos depois, elas continuam a ditar os humores políticos da região: assentamentos israelenses, êxodo de refugiados, fanatismo judeu, terror islâmico -tudo isso sob o pano de fundo de uma ocupação que causa confrontos diários entre os dois povos e uma dolorosa fratura interna em ambos os lados.
A divisão, pelo menos entre os israelenses, demorou alguns anos para começar. Naqueles dias de 1967, a esmagadora maioria considerou a meteórica vitória um presente divino.
"Antes da guerra, Israel chegara a seu ponto mais baixo. O país mergulhara numa grave crise econômica e em depressão coletiva. O sonho sionista parecia ir por água abaixo", lembrou à Folha o jornalista e historiador Tom Segev, que acaba de lançar um catatau de 600 páginas sobre a guerra.
No sétimo dia, havia um novo Israel. Confiante, temido pelos inimigos, respeitado pelas potências. Acima de tudo, com um território de dimensões inimagináveis até alguns dias antes. Do Egito, o principal inimigo, conquistou a península do Sinai e a faixa de Gaza. Da Síria, tomou as colinas do Golã. Da Jordânia, ficou com a Cisjordânia, que incluía Jerusalém Oriental e outros lugares sagrados para os judeus.

Milagre
A chave da vitória foi a destruição da aviação egípcia. Após meses de retórica agressiva do presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, os líderes israelenses decidiram atacar primeiro. Em horas, a aviação egípcia inteira pegava fogo ainda no chão.
A unificação de Jerusalém, no terceiro dia, foi decisiva para criar a aura de milagre. "Mesmo quem não era religioso ficou emocionado", diz Menachem Adar, repórter da TV israelense que foi um dos primeiros soldados a chegarem ao Muro das Lamentações, na época sob domínio jordaniano.
Euforia de um lado, humilhação do outro. Enquanto os regimes árabes derrotados tentavam justificar o fracasso ampliando a retórica anti-Israel, os palestinos engrossavam sua segunda grande onda de refugiados em menos de vinte anos.
"Apesar do choque, os palestinos tiveram um ganho inesperado, pois passaram a ficar sob uma só administração. Houve um intercâmbio maior entre a Cisjordânia e Gaza. Além disso, a ocupação acabou consolidando a identidade palestina em torno da luta contra Israel", diz Mahdi Abdul Hadi, diretor de um centro de estudos palestino em Jerusalém.
Inebriados pelo sucesso, os israelenses contrariaram sua própria lógica. Autor de um elogiado livro sobre os assentamentos judaicos, sintomaticamente chamado "The Accidental Empire" (o império acidental), Gershom Gorenberg afirma que o Exército não queria uma guerra, muito menos conquistar territórios.
Tom Segev vai mais longe. Segundo arquivos recém-abertos, a que ele teve acesso, o Exército israelense havia feito um estudo meses antes concluindo que conquistar os territórios palestinos seria desastroso. O "império acidental", portanto, nasceu de uma decisão tomada no calor da batalha.
Para muitos israelenses, uma decisão que cobra um preço altíssimo até hoje. A ocupação mergulhou Israel num mundo obscuro de barreiras e opressão militar, que arranhou a imagem do país, abalou o moral do Exército e provocou uma profunda divisão no povo. No caso mais extremo, um radical judeu assassinou o premiê Yitzhak Rabin porque ele ousou ceder território.
"Vencemos a batalha, mas perdemos a guerra", sentencia o cientista político israelense Gershon Baskin. Israel cada vez mais se aproxima da conclusão de que sua maior vitória militar foi o maior golpe ao sonho de ter um país "normal".


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