São Paulo, domingo, 03 de julho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EUA

Pesquisa revela que policiais fizeram ao menos 200 pedidos de informação sobre listas de usuários e obras lidas; governo nega

Washington monitora usuário de biblioteca

ERIC LICHTBLAU
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

Agentes da polícia fizeram, desde outubro de 2001, pelo menos 200 pedidos formais e informais de informações a bibliotecas americanas sobre materiais de leitura e outros assuntos internos, de acordo com um novo estudo que torna ainda mais ácido o crescente debate no Congresso sobre os poderes de combate ao terrorismo conferidos ao governo.
Em alguns casos, os agentes empregaram intimações ou outros mecanismos formais de demanda a fim de obter informações como listas de usuários que retiraram livros sobre Osama bin Laden. Outros pedidos eram informais e, às vezes, não eram atendidos pelas bibliotecas, afirmou a Associação Norte-Americana de Bibliotecas, que promoveu o estudo.
A associação, que vem pressionando pela redução dos poderes do governo para obter informações das bibliotecas, disse que o estudo, realizado a um custo de US$ 300 mil, é o primeiro a examinar a questão central do debate sobre o chamado Patriot Act: com que freqüência os governos federal, estaduais e municipais vêm pedindo registros às bibliotecas?
O governo de George W. Bush diz que, embora seja importante que os policiais recebam informação das bibliotecas caso precisem delas para investigações sobre terrorismo, eles ainda não empregaram os poderes que lhes foram conferidos pela lei para solicitar registros.
O estudo não diz diretamente se a lei foi usada para investigar bibliotecas. Segundo a associação, perguntas diretas sobre a lei não poderiam ser feitas devido às cláusulas de sigilo, sob as quais o entrevistado que respondesse poderia estar cometendo um crime. A lei federal de informações proíbe as pessoas que recebem determinados pedidos de informação ou documentos de contestar os pedidos e mesmo de contar a alguém que os receberam.
Assim, o estudo tentou determinar com que freqüência as investigações policiais vinham acontecendo, sem detalhar sua natureza. Mesmo assim, os organizadores alegam que os dados sugerem que investigadores solicitaram informações às bibliotecas com freqüência muito superior à admitida pelo governo Bush.
"O que isso nos diz é que agentes estão indo às bibliotecas e solicitando informações em nível significativo, contrariando completamente as tentativas do Departamento da Justiça de convencer o público do contrário", diz Emily Sheketoff, diretora-executiva da associação em Washington.
Kevin Madden, porta-voz do Departamento da Justiça, disse que o órgão ainda não estudou as conclusões e que não poderia fazer comentários específicos. Mas questionou a relevância dos dados para o debate sobre o Patriot Act, apontando que os tipos de pedido de informação indicados pelo levantamento poderiam se relacionar a uma ampla gama de investigações policiais não relacionadas ao terrorismo.
"Qualquer conclusão de que as agências policiais federais têm interesse extraordinário nas bibliotecas é completamente fictícia e resulta de desinformação", disse.
O estudo, que pesquisou 1.500 bibliotecas públicas e 4.000 bibliotecas acadêmicas, usou respostas anônimas para evitar problemas judiciais. A maioria dos entrevistados disse não ter sido contatada por nenhuma agência policial desde outubro de 2001, quando o Patriot Act entrou em vigor.
Mas houve 137 pedidos ou exigências formais de informação no período, sendo 49 de funcionários federais, que, às vezes, empregaram agentes locais ou forças-tarefa conjuntas de combate ao terrorismo para conduzir investigações em bibliotecas.
Além disso, a pesquisa concluiu que 66 bibliotecas haviam recebido pedidos informais da polícia, sem ordem legal específica, entre os quais 24 pedidos federais. Dirigentes da associação dizem que os resultados da pesquisa, se extrapolados com base nas 500 bibliotecas que responderam, indicariam um total de cerca de 600 pedidos formais de informação de 2001 para cá.
Uma das bibliotecas que disse ter recebido um pedido de consulta a registros foi a do condado de Whatcom, na região rural no noroeste de Washington.
Em junho passado, um usuário de biblioteca retirou o livro "Bin Laden: The Man Who Declared War on America" (Bin Laden: o homem que declarou guerra à América), no qual encontrou uma anotação dizendo que "a hostilidade aos EUA é um dever religioso e esperamos ser recompensados por Deus", e procurou o FBI. Os agentes do FBI, por sua vez, pediram à biblioteca nomes e dados de todos os leitores que haviam retirado o livro desde 2001.
Os advogados da biblioteca recusaram o pedido, e os agentes voltaram com uma intimação. Joan Airoldi, diretora da instituição, declarou que ficou particularmente alarmada depois que uma busca na internet revelou que a anotação era uma citação freqüentemente mencionada de Bin Laden, incluída no relatório da comissão sobre o 11 de Setembro. A biblioteca contestou a intimação, e o FBI retirou seu pedido.
"Uma tentativa leviana como essa parece antiamericana para mim", disse Airoldi. "A questão é quantas liberdades essenciais estamos dispostos a perder em nome da guerra ao terror, e quem são as verdadeiras vítimas?"


Texto Anterior: Ásia: Comunismo e ódio aos EUA resistem na Coréia do Norte
Próximo Texto: Saúde: Acampamentos para jovens obesos se propagam nos EUA
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.