|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Política argentina para julgar crimes ocorridos na ditadura é contraditória
LUIS GARCIA FANLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nos últimos 27 anos, os governos democráticos da Argentina vêm implementando
políticas contraditórias em
relação aos processos judiciais contra os responsáveis
tanto ideológicos quanto materiais pelas violações dos direitos humanos cometidas
na última ditadura (1976-83).
Os militares foram julgados e condenados; mais tarde, perdoados por "obediência devida" e, finalmente, indultados, o que explica a razão pela qual, depois de tantos anos, os chefes militares
continuem a desfilar pelos
tribunais argentinos.
Por outro lado, os organismos de direitos humanos
sempre se opuseram a um júri unificado, e não lhes faltaram motivos para exigir que
os processos se multiplicassem: os militares se negaram
a reconhecer a existência de
desaparecidos, chegando a
justificar suas ações em nome da guerra "à subversão".
O julgamento de cada ato,
de modo individual, traz à tona o fato de que houve uma
política de Estado repressiva,
que o envolvimento permeou
todos os níveis da estrutura
militar, e que os militares não
foram os únicos envolvidos,
já que vem à tona o envolvimento de empresários, médicos, juízes, policiais, políticos, sacerdotes e membros
da cúpula da Igreja Católica.
Não obstante, o fato de o
assunto ter sido encerrado
no âmbito judicial teve efeitos graves na sociedade argentina: desmobilização das
organizações de direitos humanos, apatia dos cidadãos,
insinuações de uso político
dos júris pelo governo.
Hoje, inclusive, o próprio
governo segue uma política
ambivalente, na medida em
que leva os júris adiante e, ao
mesmo tempo, propõe a "revalorização" das forças.
Assim, assistimos a um paradoxo: todos os dias, em algum tribunal, algum militar
é julgado; por outro lado, a
classe política, os formadores de opinião e o argentino
"da rua" manifestam desprazer em ouvir falar do assunto,
que gostariam de ver encerrado de uma vez por todas,
pois "é preciso deixar o passado para trás e ocupar-se
dos problemas do presente".
A questão é que os "problemas do presente" não podem ser entendidos sem encarar o fato de que a ditadura
não foi simplesmente terrorismo de Estado, mas que o
terrorismo de Estado foi o
apoio de uma reconfiguração
radical da estrutura social argentina, que afetou matrizes
culturais, esquemas mentais, condições econômicas
de sobrevivência, e que inscreveu em nossos corpos o
disciplinamento e o controle
social necessários para tornar argentinos e argentinas
governáveis, naturalizando o
apolitismo extremo de hoje.
O professor LUIS GARCIA FANLO é doutor
pela Universidade de Buenos Aires e autor
do livro "Genealogia da Argentinidade"
Texto Anterior: Argentina volta a julgar ex-ditador Próximo Texto: Chávez anuncia prisão de acusado por ataques terroristas em Cuba Índice
|