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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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Chefes de guerra, apoiados pelos EUA, ameaçam estabilização, afirma ONG

DA REDAÇÃO

Em vez de instalar um governo relativamente forte em Cabul, que precisaria de grande apoio militar internacional, as forças lideradas pelos EUA preferiram deixar que dirigentes locais tomassem conta da cena política do Afeganistão, o que ameaça sua estabilização.
A análise é de John Sifton, autor do relatório "Killing You Is a Very Easy Thing for Us: Human Rights Abuses in Southeast Afghanistan" (matar você é uma coisa muito fácil para nós: abusos dos direitos humanos no sudeste do Afeganistão), da organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch, que foi publicado na última segunda-feira.
Leia a seguir sua entrevista, por telefone, à Folha. (MSM)

Folha - Seu relatório diz que chefes de guerra estão criando um "clima de medo" no Afeganistão e acusa a comunidade internacional, sobretudo os EUA, de apoiá-los. Como a situação chegou a esse ponto?
John Sifton -
Desde o colapso do regime do Taleban, comandantes militares afegãos assumiram o controle das Forças Armadas e do governo civil. Esses chefes de guerra também dominam a vida político-social da sociedade civil. Isso ocorre em todo o Afeganistão, mesmo em parte da capital.
Vários ministérios civis são controlados por comandantes militares, o que ameaça a estabilização política do país. Após a queda do Taleban, o governo dos EUA demorou demais para perceber a dimensão do problema e, em seguida, apenas permitiu que seus aliados locais, que ajudaram Washington a depor o Taleban, tomassem conta do governo civil.

Folha - Por que Washington deixou isso ocorrer?
Sifton -
De certo modo, foi uma questão de incompetência e de falta de preparação para o pós-Taleban. Os EUA não estavam preparados para conseguir criar uma força internacional do tamanho necessário para realmente controlar todo o território afegão, desprestigiando os grupos que tinham lutado ao lado da coalizão internacional contra o Taleban.
A Aliança do Norte ajudou os EUA inicialmente e acabou colhendo os frutos de seus esforços. Não há dúvida de que os americanos, que lideram a coalizão internacional que permanece no Afeganistão, ainda precisam de ajuda militar para terminar seu trabalho. O problema é saber até que ponto Washington permitirá que esses agentes militares tomem conta do aparato político do país.
Quando estão no poder, os chefes de guerra tendem a cometer violações aos direitos humanos. Eles têm de respeitar os direitos humanos e não podem tentar controlar a sociedade civil afegã, já que isso mina o tecido político-social do país. Eles não devem intimidar inimigos políticos nem jornalistas, pois isso é contrário aos preceitos de um regime livre.

Folha - Quem são esses chefes de guerra que tentam dominar a sociedade civil afegã?
Sifton -
O caso mais claro é o do ministro da Defesa, [Mohammad Qasim] Fahim, que é o líder da organização político-militar mais importante do Afeganistão, Shura-e Nazar. Trata-se de uma das pessoas mais influentes do país.
Outro caso é o do ministro da Educação, Yunis Qanuni, que era chefe da segurança da Aliança do Norte e se tornou o conselheiro de segurança nacional oficioso do presidente Hamid Karzai.

Folha - Não foi ingênuo imaginar que seria possível mudar um quadro que é tão enraizado no país?
Sifton -
É verdade que a sociedade afegã tem uma tradição de comandantes militares locais ou regionais. Todavia não creio que seja ingênuo crer em mudanças. Inocentes foram aqueles que pensaram que seria possível mudar esse quadro a curto prazo.
Quando um país é invadido e seu governo é deposto, as forças invasoras têm enormes responsabilidades e grandes oportunidades no que se refere a constituir uma nova administração, sobretudo num país que, tradicionalmente, não é dominado por atores políticos centralizadores.
O problema é que, em vez de instalar um governo relativamente forte em Cabul, que precisaria de grande apoio militar internacional, as forças lideradas pelos EUA preferiram deixar que dirigentes locais tomassem conta da cena política. O Taleban ganhou força na década de 90 porque a população estava cansada do caos criado pelos conflitos entre chefes de guerra, muitos dos quais estão hoje no poder, no Afeganistão.


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