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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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RECONSTRUÇÃO

Cabul acusa Islamabad de não fazer o suficiente para conter extremistas islâmicos; paquistaneses refutam acusação

Paquistão alimenta instabilidade afegã

DA REDAÇÃO

A região fronteiriça entre o Afeganistão e o Paquistão, onde podem estar Osama bin Laden, responsável pelo 11 de Setembro, e o mulá Mohammad Omar, líder espiritual do Taleban, é a maior fonte de instabilidade para o governo afegão, de acordo com especialistas consultados pela Folha.
"Os membros do Taleban que se encontram no sul do Afeganistão dispõem de uma base, de uma retaguarda, nas Províncias da Fronteira Noroeste e do Baluquistão, no Paquistão. Nos dois casos, extremistas islâmicos paquistaneses, que não são muito diferentes dos do Taleban, assumiram o poder em outubro passado", apontou Christophe Jaffrelot, diretor do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (França).
Percebendo o perigo da situação na divisa, tanto o governo central quanto dirigentes regionais afegãos exortam a comunidade internacional, sobretudo os EUA, a tomar uma atitude e a pressionar Islamabad, buscando evitar que o Taleban consiga se reagrupar, o que poria em sério risco a administração do presidente afegão, Hamid Karzai.
O governo paquistanês, por sua vez, refuta as acusações das autoridades afegãs e sustenta que suas forças de segurança têm estado muito ativas na região, expulsando supostos extremistas islâmicos que cruzam a fronteira.
"Para [Zalmay] Khalilzad [enviado especial dos EUA ao Afeganistão] e para Karzai, a mensagem é clara: o Paquistão tem de fazer mais para conter os extremistas islâmicos, chegando até a prender líderes do Taleban que, por ventura, planejam ataques de dentro do território paquistanês", indicou Atiq Rahimi, escritor e cineasta afegão, que vive na França.
Nas remotas áreas tribais afegãs, separar a realidade da ficção não é tarefa fácil. Porém dois fatos são incontestáveis. Primeiro, centenas de membros do Taleban, muitas vezes armados e bem equipados, cruzam a fronteira -de 2.450 km- de ambos os lados e atacam alvos afegãos.
Segundo, é extremamente complexo pôr fim a essas atividades. Mesmo as poderosas forças dos EUA, que têm seu quartel-general na base de Bagram, a 30 km de Cabul, e realizam constantes missões na região, não conseguem impedir que eles se misturem com a população local ou se escondam em áreas montanhosas.
"O Paquistão tem o fundamentalismo das escolas religiosas, nas quais muitos mulás afegãos estudaram, e a solidariedade pashtu. Essa solidariedade é importante porque reúne elementos que não são religiosos nem necessariamente apenas étnicos, já que engloba funcionários do governo, intelectuais etc.", analisou Olivier Roy, também do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais.
Ademais, o extremismo islâmico e as atividades terroristas brotam da mesma fonte. "Nas madrassas [escolas de cultura muçulmana], radicais islâmicos e terroristas interagem, mesmo que estes não revelem abertamente seus objetivos", disse Marina Ottaway, do Carnegie Endowment for International Peace (EUA).
Em visita ao Afeganistão na última quarta-feira, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA, Richard Myers, disse que os americanos não abandonariam o Afeganistão. Para Cabul, além da ajudar na reconstrução do país, isso significa exercer pressão sobre Islamabad.
O Paquistão, que desde o início da guerra ao terrorismo liderada pelos EUA vem recebendo vultosas somas de Washington como recompensa por sua cooperação, vive, todavia, uma situação delicada. Ao mesmo tempo em que busca manter boas relações com os americanos, o presidente Pervez Musharraf não pode correr o risco de desagradar ao Exército.
"O caso de Musharraf é difícil. Se pressionar demais os extremistas, será visto pelos militares como títere de Washington e não conseguirá manter-se no poder. Porém, se não tomar cuidado, perderá o apoio dos EUA, o que também seria fatal para suas aspirações políticas", avaliou Jaffrelot. (MÁRCIO SENNE DE MORAES)


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