UOL


São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Após anos de repressão, maioria das afegãs ainda prefere vida encoberta

DENISE DUCLAUX
DA REUTERS, EM CABUL

Weeda Mansoor lutou pelos direitos da mulher no Afeganistão durante 25 anos, em uma organização famosa por dirigir escolas clandestinas para meninas e filmar secretamente as execuções realizadas pelo Taleban, mas ela ainda assim não sai de casa sem estar envolta em uma burqa que a recobre da cabeça aos pés.
"A única coisa que mudou desde o tempo do Taleban é que eles deixaram de usar roupas sujas e agora vestem terno e gravata", disse Mansoor, 38, da Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão. Mansoor, que usa saltos baixos e um conjunto salmão embaixo da burqa, diz que o véu a ajuda manter em segredo sua identidade em um país no qual os direitos da mulher podem ser uma idéia perigosa.
Outras mulheres ecoam esse sentimento, dizendo se sentir mais seguras quando estão cobertas da cabeça aos pés, em uma sociedade que está emergindo de mais de duas décadas de sangrentos conflitos. Muitas delas simplesmente atendem aos desejos de suas famílias, que consideram difícil romper com os costumes que vigoram há séculos nesse país profundamente conservador.
"A tradição de um país é mais forte que sua Constituição; não há como mudá-la rapidamente", diz Soraya Rahim, vice-ministra de Assuntos Femininos do Afeganistão. "É muito difícil, e precisamos avançar cuidadosamente, passo a passo."
O regime extremista do Taleban exigia que todas as mulheres usassem a burqa em público, em seus seis anos de domínio sobre o Afeganistão, tomando uma tradição bastante difundida nas Províncias distantes e fazendo-a lei nas cidades do país, mais liberais. As mulheres que não usassem a burqa, véu dotado de uma cortina bordada de cerca de sete centímetros que permite que vejam parcialmente o que as cerca, eram espancadas ou recebiam chibatadas.
O Taleban proibiu mulheres e meninas de freqüentar escolas, trabalhar, dirigir ou até mesmo caminhar pela rua sem a companhia de um parente homem.
"Os homens desenvolveram idéias muito ruins sobre as mulheres naquele tempo", diz Nasreen, uma afegã que ensina mulheres a ler e escrever em um país no qual o índice de alfabetização das mulheres adultas está entre os 13% e os 22%.
Quando forças lideradas pelos EUA derrubaram o Taleban no fim de 2001, os homens correram para as barbearias para raspar as barbas que os governantes fundamentalistas exigiam por lei que usassem, e as mulheres saíram sem burqa pela primeira vez em anos. Dezoito meses depois que um governo apoiado pelos EUA foi empossado, muitos homens estão desfrutando de suas novas liberdades, usando roupas ao estilo ocidental e abandonando as barbas. Mas a maioria das mulheres continua a usar burqas na capital, Cabul, talvez a mais estável e liberal das cidades afegãs.
"É a tradição do povo do Afeganistão", diz, dando de ombros, Rashed Sayeedi, proprietário de uma loja de burqas chamada Obedeçam a Alá em um dos movimentados mercados de Cabul.
Sayeedi diz que os negócios continuam tão prósperos quanto na era do severo governo do Taleban. Ele vende entre 30 e 40 burqas por dia, por cerca de 600 afganis, ou US$ 12, cada. Ele diz que as mulheres de Cabul preferem burqas azuis, as de etnia pashtun em geral escolhem o vermelho e o preto e as mulheres próximas do casamento ficam com o tradicional branco. Sayeedi tem até mesmo um estoque de burqas em rosa e roxo, para estrangeiros que queiram levar para casa um pedacinho do Afeganistão.
Algumas mulheres afegãs não dão importância à preocupação com a burqa, que serve como símbolo de repressão à mulher em boa parte do mundo ocidental.
Elas dizem que o véu é o menor de seus problemas, e que ele não desaparecerá até que desfrutem de igualdade no trabalho e no governo. "Nessa situação, a burqa não é o problema", afirma a vice-ministra Rahim. "O grande problema é que as mulheres precisam de empregos. As mulheres precisam sair de casa. As mulheres precisam de dinheiro. Depois, poderão decidir por si sós."


Texto Anterior: Paquistão alimenta instabilidade afegã
Próximo Texto: Oriente Médio: EUA diminuem pressão sobre palestinos
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.