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Crise traz de volta fantasma da pobreza nas Américas, diz ONU
Diretora do Pnud para a região teme ainda retrocesso em conquistas democráticas
JANAINA LAGE
DE NOVA YORK
A diretora para América Latina e Caribe do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Rebeca
Grynspan, diz que a crise econômica mundial trará de volta
um dos velhos problemas da região: o aumento da pobreza.
Grynspan chega ao Brasil hoje para participar de um simpósio sobre desenvolvimento social. Especialista em políticas
de desenvolvimento, ela já foi
vice-presidente da Costa Rica.
FOLHA - Os bancos brasileiros disseram que a recessão acabou no
Brasil. Isso é válido para a região
também?
REBECA GRYNSPAN - A informação que temos hoje é bem mais
otimista do que no início do
ano. Isso é verdade para o Brasil e para o resto do mundo.
O Brasil é um exemplo de políticas contracíclicas. A pobreza
caiu nas principais regiões metropolitanas mesmo com a crise. De março de 2008 a março
deste ano, ela caiu 1,7% em São
Paulo, Rio, Belo Horizonte,
Porto Alegre, Recife e Salvador.
FOLHA - O que explica a queda da
pobreza?
GRYNSPAN - Duas medidas: a
expansão do Bolsa Família e o
aumento do salário mínimo.
Países que têm políticas de
transferência de renda precisam fortalecer os benefícios e
incluir mais pessoas vulneráveis à crise, você não deve esperar o empobrecimento delas.
FOLHA - Quais serão os efeitos sociais da crise para a América Latina?
GRYNSPAN - A pobreza, em média, vai subir. Deve haver alguma reversão nas melhoras em
mortalidade infantil, desnutrição e abandono escolar.
É o que normalmente acontece em uma crise. Evitar esses
fatores é o melhor investimento no longo prazo porque você
não se recupera nunca destas
coisas. Se um jovem abandona
a escola, é muito difícil voltar e
os efeitos disso para a economia se perpetuam por anos.
As medidas adotadas no Brasil funcionam como estabilizadores automáticos.
FOLHA - E a desigualdade?
GRYNSPAN - Tende a aumentar
na região, em geral. Antes da
crise, Brasil e Chile apresentaram os resultados mais sólidos
de redução da desigualdade.
Nesse caso, a reversão é menos
provável. Isso mostra que
quando você reduz a desigualdade, fortalece a performance
econômica do país.
FOLHA - De que modo a crise afeta
o perfil do desemprego?
GRYNSPAN - Os grupos mais
vulneráveis são mulheres e jovens. Na América Latina, dos
jovens de 14 a 24 anos, 66% estão subempregados, desempregados ou fora do mercado de
trabalho e da escola. Essas pessoas nasceram na década de
1980, a década perdida. Não podemos deixar que isso se repita,
precisamos de políticas mais
concentradas nos jovens.
No caso das mulheres, ainda
há um descasamento entre a
realidade do mercado de trabalho e o bem-estar das famílias.
FOLHA - Quais países da região vão
pagar de fato a conta da crise?
GRYNSPAN - Os pequenos países
mais dependentes do comércio
foram os mais afetados.
As economias do México e da
Costa Rica foram bastante afetadas. No caso do México há
ainda o efeito da gripe suína.
Países onde as remessas têm
peso significativo na economia
também estão em um período
difícil.
FOLHA - A sra. diz que as crises econômicas na região estão ligadas a ciclos políticos. O golpe de Honduras é
só o começo?
GRYNSPAN - Espero que não,
mas precisamos evitar isso. É
muito importante a posição da
comunidade internacional.
FOLHA - O que motivou as reações,
como a suspensão do país pela Organização dos Estados Americanos?
GRYNSPAN - Penso que nos tornamos intolerantes a golpes
militares. O exercício da democracia criou novos valores, e somos hoje contra qualquer forma de ditadura e autoritarismo.
É uma conquista importante.
Muitos têm dito que as reformas econômicas foram o que
aconteceu de mais importante
na região na década de 1990,
mas vejo que o mais relevante
foi o fortalecimento da democracia e as melhoras em relação
a direitos humanos e cidadania.
Seria uma tragédia perder isso.
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