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Desastre salienta clivagem racial e de renda nos EUA
DAVID GONZALEZ
DO "THE NEW YORK TIMES"
Nos dias passados desde que
bairros e cidades da costa do golfo
do México foram aniquilados pelos ventos e a água, cresce a idéia
de que raça e classe social foram
os fatores não verbalizados que
definiram quem conseguiu escapar e quem ficou preso no caos.
Como ocorre em países em desenvolvimento, quando falhas
políticas se tornam acintosamente evidentes em momentos de desastres naturais, líderes americanos disseram que algumas das cidades mais pobres dos EUA são
vulneráveis porque foram abandonadas por Washington.
O prefeito de Winstonville
(Mississippi), Milton Tutwiler,
comentou: "Ninguém vinha ver
como estava a população negra
destas paróquias, mesmo quando
o sol estava brilhando. Estou surpreso que ninguém tenha vindo
nos socorrer agora? Não estou."
Roosevelt F. Dorn, prefeito de
Inglewood (Califórnia) e presidente da Associação Nacional de
Prefeitos Negros, disse que os serviços de emergência e resgate precisam agir com mais presteza.
"Tenho uma lista de prefeitos
negros no Mississippi e no Alabama que estão implorando por ajuda. Suas cidades estão aniquiladas, e eles estão em desespero.
Ninguém até agora ouviu seus
gritos", disse Dorn.
O reverendo Jesse Jackson, do
Partido Democrata, disse que as
cidades foram desprezadas pela
administração Bush porque Bush
recebeu poucos votos da população urbana. "Muitos negros sentem que sua raça, suas condições
econômicas e seus padrões de voto foram fatores levados em conta
na resposta", disse Jackson.
Em Nova Orleans, o impacto do
desastre ressalta a conjunção de
raça e classe social numa cidade
onde dois terços dos moradores
são negros e mais de um quarto
da população vive na pobreza. No
bairro de Lower Ninth Ward, que
foi inundado, mais de 98% dos
moradores são negros, e mais de
um terço é pobre.
Spencer R. Crew, presidente da
sucursal em Cincinnati do Centro
Nacional Ferrovia Clandestina da
Liberdade -referência a uma rota de fuga de escravos do sul dos
EUA para o norte, nos tempos da
escravidão-, disse que as conseqüências do furacão vão obrigar a
população a encarar a desigualdade que existe no país.
"A maioria das cidades possui
uma população pobre -branca e
negra- que fica oculta, da qual
nem sempre se fala, que costumamos deixar de enxergar. Neste
momento, não podemos deixar
de enxergá-la", disse Crew.
Essa desigualdade foi descrita
como "vergonhosa" pelo deputado democrata Charles Rangel, de
Nova York, para quem ela foi
agravada pela falta de planejamento do governo.
"Presumo que o presidente vá
dizer que recebeu informações
equivocadas", acrescentou Rangel, dizendo que o perigo dos diques era evidente.
"Em todo lugar onde se vê pobreza, seja na comunidade rural
branca ou na urbana negra, você
vê que os recursos foram sugados
para a guerra e para reduções nos
impostos cobrados dos ricos."
Entre as mensagens que circulam no ciberespaço lamentando
as mortes e as oportunidades perdidas está uma de Mark Naison,
que é branco e leciona estudos
afro-americanos na Universidade
Fordham, no Bronx.
"É isso o que os pioneiros do
movimento pelos direitos civis lutaram para conseguir: uma sociedade em que muitos negros vivem tão isolados por sua pobreza
quando eram pelas leis de segregação racial?", escreveu Naison.
"Se o 11 de Setembro demonstrou
o poder de uma nação unida em
resposta a um ataque devastador,
o Katrina revelou as falhas tectônicas de uma nação dilacerada
por divisões sociais profundas."
"Tendemos a pensar nos desastres naturais como sendo aleatórios, atingindo todos igualmente", disse o porto-riquenho Martín Espada, professor de inglês na
Universidade de Massachusetts e
poeta esquerdista. "No entanto,
sempre foi um fato que são as pessoas pobres que correm perigo. É
isso o que significa ser pobre: é perigoso ser pobre. É perigoso ser
negro. É perigoso ser latino."
Neste domingo haverá orações.
Em igrejas espalhadas pelo país,
fiéis vão se reunir e rezar pelos
que sobreviveram e pelos mortos.
Tentarão compreender o que ainda não foi totalmente apreendido.
Alguns talvez falem da mão divina que estaria por trás de tudo o
que aconteceu. Outros, porém, já
chamaram a atenção para a ausência de mão humana.
"Tudo é a vontade de Deus",
disse Charles Steele Jr., presidente
da Conferência de Lideranças
Cristãs do Sul, em Atlanta. "Mas
há um certo bom senso que Deus
confere aos humanos para que se
preparem para certas coisas."
Isso, para Steele, significa que
não se deve esperar a véspera da
crise para preparar-se para ela: "A
maioria dos moradores dos bairros vulneráveis é negra e pobre.
Então, houve falta de sensibilidade das pessoas em Washington
para a necessidade de ajudar os
pobres. É simples assim".
Tradução de Clara Allain
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