São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2005

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TERROR

Premiê britânico nomeia Tariq Ramadan, polêmico intelectual de origem egípcia, como conselheiro contra o extremismo

Blair busca elo com imigrante muçulmano

MARC ROCHE
DO "LE MONDE", EM LONDRES

Como reorganizar o islamismo britânico depois dos atentados suicidas de 7 de julho último em Londres, perpetrados por muçulmanos cidadãos do Reino Unido?
Determinado a enfrentar esse desafio crucial para o futuro da sociedade multicultural britânica, o governo de Tony Blair quer se dirigir diretamente aos jovens dos subúrbios que o islamismo radical atrai como militantes, a origem de muitos dos responsáveis pelos atentados.
A indicação de Tariq Ramadan, um intelectual suíço de origem egípcia, como conselheiro do governo britânico para a luta contra o extremismo islâmico atesta para essa vontade de estabelecer um diálogo com os jovens imigrantes.
"Cabe ao governo se dirigir a todas as comunidades, incluindo os grupos que professam opiniões diferentes das nossas", confirmou o Ministério do Interior. A informação já havia sido publicada pelo jornal "Guardian", em 31 de agosto, que revelou a presença no país do neto do fundador da Irmandade Islâmica egípcia, jovem criado em Genebra e cidadão suíço, como parte do grupo de 13 pessoas convidadas a fazer recomendações ao governo sobre o assunto, até o final de setembro.
Criado na semana passada pelo Ministério do Interior, esse grupo de trabalho para o combate ao extremismo, composto por acadêmicos respeitados e representantes de organizações comunitárias, tem por missão explorar maneiras de impedir que os jovens muçulmanos britânicos optem pelo extremismo.
A escolha de Tariq Ramadan como conselheiro oficial de Sua Majestade é surpreendente. Blair é o principal aliado dos EUA nas Guerras do Iraque e do Afeganistão. Em julho de 2004, as autoridades americanas cancelaram o visto de trabalho do intelectual suíço, que era professor na Universidade Notre Dame, "em razão de seu apoio ao terrorismo".
Em 1995, a França proibira que ele viajasse ao país em razão de suas posições ambíguas quanto à situação da religião muçulmana no país. Porém, pouco antes dos atentados de 7 de julho, Ramadan visitou sem problemas o Reino Unido, para participar de uma conferência no Centro Islâmico de Londres, a convite da associação Da'watul Islam, cujo objetivo é promover a prática da religião entre os jovens muçulmanos.
Evidentemente, Ramadan teve de enfrentar ataques dos tablóides londrinos antes de chegar ao país. O "Sun", jornal britânico de maior circulação, afirmou que "o tom moderado que ele ostenta empresta uma face razoável ao terrorismo e influencia os jovens muçulmanos impressionáveis".
Mas sob o minarete da grande mesquita do Regent Park, o professor, que se define como "fundamentalista no sentido sacro", condenou sem reservas os terroristas, a quem definiu como "marginais".
A recente concessão de uma bolsa de pesquisa pelo St. Antony's College, parte da Universidade de Oxford, para o ano letivo de 2005/06, aparentemente teve o efeito de calar as piores críticas. Professor convidado do Centro de Estudos do Oriente Médio na instituição, Ramadan participará de seminários e pesquisará sobre o tema "os muçulmanos diante do desafio contemporâneo".
Proposto pelo diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio, Walter Armbrust, um especialista em cinema egípcio, sua candidatura recebeu apoio do presidente do St. Antony's, Marrack Goulding, ex-secretário geral adjunto responsável pelas operações de paz da ONU.
Além disso, a inclusão do nome de Ramadan em um artigo da revista americana "Time" sobre os 100 grandes inovadores do século 21, por sua defesa de um islamismo europeu independente, reforçou sua posição como mediador.
Além de Ramadan, o comitê contará com outras personalidades controvertidas, como o presidente do Conselho Muçulmano britânico, equivalente ao Conselho do Culto Islâmico da França, Inayat Banglawa, que no passado expressou opiniões abertamente anti-semitas.
Blair resistiu aos protestos das organizações judaicas e dos editorialistas da imprensa de direita que queriam que a entrada desse pensador criticado pela duplicidade de seu discurso no Reino Unido fosse proibida. Para o primeiro-ministro, há urgência em contornar os notáveis dessa comunidade de 1,6 milhões de pessoas, distantes da realidade econômica e social dos guetos, e falar diretamente à população.
Ao escolher Ramadan, Blair quer solapar o domínio das organizações paquistanesas no Conselho Muçulmano. Fiel ao novo slogan que anunciou em 5 de agosto, quando apresentou medidas duras para proteger o país contra o terrorismo, o premiê provou que "as regras do jogo mudaram".


Tradução de Paulo Migliacci

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