São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

Texto Anterior | Índice

ARTIGO

Cooperação econômica é caminho para projeto de paz

Israel, Jordânia e os palestinos podem criar corredor de desenvolvimento, paralelo a projeto político; em nossa era, não existe "povo que vive isolado"

SHIMON PERES
DO "HAARETZ"

A chegada de forças da ONU, incluindo tropas européias, e o seu posicionamento no sul do Líbano em companhia de unidades do Exército libanês, são mudanças que poderiam produzir vantagens estratégicas.
O governo libanês, como a Autoridade Nacional Palestina, perdeu o controle de seu território e de suas Forças Armadas.
Ambos deixaram de responder pela paz ou pela segurança nos territórios que supostamente estão sob sua responsabilidade.
Israel deveria apoiar os esforços do governo do premiê libanês, Fouad Siniora, para se tornar a única autoridade territorial e militar no Líbano, e apoiar o esforço do palestino Mahmoud Abbas pela existência de "um regime e um Exército", nos termos definidos para o controle palestino.
As operações de dissuasão têm por objetivo impedir guerras, mas o objetivo maior continua a ser conquistar a paz plena. As nossas críticas ao terrorismo palestino e ao terrorismo que vem do Líbano não substituem os esforços para atingir a paz. Na guerra, como na paz, os objetivos não mudaram.
O clamor pela devolução de territórios em troca da paz obteve sucesso em dois casos, o do Egito e o da Jordânia -e fracassou em dois outros, no Líbano e junto à Autoridade Nacional Palestina. Devolvemos ao controle do Líbano todo o território do país, de acordo com a resolução do Conselho de Segurança da ONU, mas não obtivemos paz plena. Retiramo-nos unilateralmente da faixa de Gaza, mas ela ainda assim continuou a servir de base para ataques de artilharia contra Israel.
Agora que as forças da ONU estão chegando, surge a esperança de que o outro lado da equação seja preenchido: paz plena com o Líbano. Siniora pediu publicamente a paz, e a resposta de Israel deve ser positiva, pública e inequívoca: sim à paz com o Líbano.

Ponto de interrogação
É verdade que resta um ponto de interrogação quanto à Síria, no que tange à situação no Líbano. A atual política síria se caracteriza por flutuações de ânimo. O pedido de Damasco para que primeiro Israel aceite todas as suas condições e só depois os dois países vão à mesa de negociações é uma proposta ridícula. Devemos informar à Síria que, se deseja a paz, precisa ir abertamente à mesa de negociações, sem ultimatos. Foi isso que aconteceu no caso do Egito e da Jordânia. É dessa maneira que começaram as negociações com os palestinos, e é assim também que começamos no Líbano. Ainda que em ambos os casos tenha havido altos e baixos, a possibilidade de sucesso ainda existe.
No que tange aos palestinos, não é a falta de disposição de parte de Israel mas a falta de união entre eles que interrompeu o processo de paz. Os palestinos que desejam a paz não têm poder para promovê-la, e os que não desejam uma solução definitiva para sua situação têm a capacidade de bloquear os avanços. Foi isso que conduziu a uma situação na qual a tragédia substitui a política.
As divisões entre os palestinos forçaram Israel a encarar uma situação nada simples. Manter a política de retirada unilateral deixou de ser interessante para o público israelense. Não consigo antever a possibilidade de que uma maioria dos israelenses aprove uma retirada unilateral da Cisjordânia. Nós expressamos disposição de iniciar negociações com os palestinos com base em nossas propostas de paz, mas até agora o Hamas vem impedindo que eles aceitem a idéia.

Esforço triplo
Existe uma opção adicional -um esforço triplo que incluiria Israel, a Jordânia e os palestinos. Uma opção que se abriria com o lado econômico em paralelo com o lado político. Israel, Jordânia e os palestinos já fecharam acordo para transformar toda a região fronteiriça, entre o mar Vermelho e o rio Yarmouk, em um corredor de cooperação econômica que incluirá fábricas, turismo e agricultura. Além disso, o projeto possibilitará o transporte de água do mar Vermelho para o mar Morto. É preciso ter em mente que a maioria das mudanças transcorridas no mundo depois da Segunda Guerra Mundial resultaram de transições econômicas e não de intervenções militares.
Faltam às três partes, no entanto, meios suficientes para implementar o programa. Mas o capital mundial que está à procura de novos mercados e novas oportunidades, ainda que acarretem certos riscos, tem a tendência de apoiar empreendimentos regionais como esses. Portanto, seria possível privatizar parte da paz, e não apenas partes da economia.
Deveríamos, por isso, propor aos palestinos negociações diplomáticas baseadas na única alternativa aceitável ao mundo e aos participantes: o projeto de paz israelense. Ao mesmo tempo, deveríamos estabelecer uma região econômica trilateral que ajudaria a aliviar os problemas causados pela crise econômica e financeira (que é um componente do problema diplomático). Em nossa era, não existe mais um "povo que vive isolado". Ciência e tecnologia tornaram todos os países parte de suas regiões e parte do mundo.
Isso não significa que devamos abdicar de nossa identidade nacional, mas é possível oferecer uma oportunidade paralela, e muito mais rica, ao processo de paz e às benesses que ele propicia. Não é o passado que nos pressiona. A pressão que sofremos vem do futuro e isso nós podemos mudar.


SHIMON PERES, prêmio Nobel da Paz, é vice-primeiro-ministro de Israel

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Exposição mostra que Ku Klux Klan ainda vive
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.