São Paulo, quinta-feira, 03 de setembro de 2009

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ANÁLISE

O subdesenvolvimento explica

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

A mais sintética -e nem por isso menos certeira- definição para os formidáveis esforços que o presidente colombiano Álvaro Uribe e seus seguidores desenvolvem para obter a re-reeleição é do ex-deputado liberal Jaime Castro: "O que está ocorrendo é uma demonstração de subdesenvolvimento político muito grande".
Bingo. A América Latina, que transitou com razoável segurança e velocidade, do autoritarismo para a democracia a partir dos anos 80, não conseguiu passar à etapa seguinte: a substituição ou, na pior das hipóteses, uma convivência mais equilibrada entre instituições fortes e homens do destino.
Ou caudilhos que se acham insubstituíveis, a sua mais persistente figura política.
O vício da perpetuação não distingue corrente política ou ideológica, não é diferente na direita ou na esquerda ou até no centro.
Basta lembrar que quem rompeu, no Brasil, a tradição de que reeleição era vetada (mesmo uma só) foi Fernando Henrique Cardoso. No dia em que ele tomaria posse, 1º de janeiro de 1995, já desembarcou em Brasília com o projeto para introduzir a reeleição o deputado pernambucano Maurílio Ferreira Lima (PSDB).
Ressalve-se que FHC não tem características caudilhescas, no sentido de apelo popular. Mas o grupo que chegava ao poder via nele e, acima de tudo, no Plano Real que ele encarnava, a melhor chance de ficar 20 anos no poder, como chegou a dizer Sérgio Motta, o braço direito de FHC até morrer.
Antes, na Argentina, Carlos Menem também obteve o direito a disputar a reeleição, igualmente amparado num fenômeno econômico (a paridade entre o peso e o dólar, que acabara com a inflação e, por extensão, com surtos devastadores de hiperinflação).
Não importa que esse modelo contivesse o germe da destruição econômica e social que viria já no fim do segundo mandato de Menem. Importava era a continuidade.
Só depois é que a esquerda latino-americana aderiu à onda, nas figuras de Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales. Daniel Ortega, na Nicarágua, está ainda na fase de tentativa.
Nesses casos, trata-se de caudilhismo puro e duro. Não há "chavismo" sem Chávez, como não houve varguismo sem Getulio Vargas, no Brasil, ou peronismo sem Juan Domingo Perón na Argentina (o que existiu depois dele foi sempre um saco de gatos, que se matavam literalmente uns aos outros durante o governo de Isabelita Perón e, agora, se enfrentam nas urnas com menos sangue real, mas uma contundência retórica parecida).
Posto de outra forma: não há correntes de opinião organizadas na forma de partidos que possam levar a bandeira quando o caudilho morre ou deixa o poder, seja qual for a razão.
Mesmo no Brasil, em que o caudilho Luiz Inácio Lula da Silva renunciou, ao que tudo indica, a aceitar o que Uribe agora busca (a re-reeleição), seu substituto não é um histórico do partido em que Lula sempre militou. Na verdade, Dilma Rousseff é candidata do "lulismo", não do petismo, ainda que o PT a aceite porque é abençoada pelo chefe, dotado de imensa popularidade.
O subdesenvolvimento apontado por Jaime Castro é até explicável. Democracia é um jogo recente no subcontinente. Nos Estados Unidos, mais de 200 anos de prática levaram a uma estabilidade que permite proibir para sempre a volta de um presidente depois de cumpridos dois mandatos sucessivos.
Bill Clinton, por exemplo, tinha popularidade suficiente para ser melhor candidato que John Kerry, quando este disputou, pelos democratas, contra George Walker Bush que buscava a reeleição. Mas não podia competir. Nem por isso, o Partido Democrata desapareceu. Voltou com Barack Obama quatro anos depois. E ganhou.


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