São Paulo, terça-feira, 03 de novembro de 2009

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Sarkozy põe identidade francesa em debate

Discussão, que tem como motes "valorizar a contribuição dos imigrantes" e "reafirmar orgulho de ser francês", é criticada por oposição

Analistas veem aceno a eleitores da extrema direita com ideias como "contrato com a nação" para migrantes

CÍNTIA CARDOSO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

"Valorizar a contribuição dos imigrantes" e "compreender o que é ser francês hoje". Esses são os eixos do grande debate sobre a identidade nacional aberto ontem na França. A ideia foi lançada pelo ministro da Imigração e da Identidade Nacional, Eric Besson.
Ao longo de dois meses e meio, os 96 departamentos franceses, representantes municipais e funcionários das autarquias ligadas à imigração terão reuniões periódicas sobre o tema. "[Esse debate] deverá fazer surgir, a partir das propostas postas em discussão, as contribuições dos participantes e ações que permitam reafirmar os valores republicanos e o orgulho de ser francês", diz comunicado do ministério.
Por trás da abertura do debate, porém, a oposição enxerga uma manobra para cooptar os eleitores da extrema direita a cinco meses das eleições regionais. Parte da esquerda francesa também acusa o presidente Nicolas Sarkozy e sua equipe de usarem essa proposta para tentar abafar os recentes escândalos do governo, especialmente a polêmica sobre suposto nepotismo do presidente.
"Obviamente esse "debate" foi lançado apenas para tentar resolver conflitos dentro do próprio eleitorado de Sarkozy", afirma Daniel Lindenberg, professor da Universidade Paris 8 e especialista na história do nacionalismo na França.
Jean Yves Camus, cientista político e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas em Paris, afirma ainda que, para além do objetivo eleitoral, o governo pretende colocar a recente onda de imigração no âmago do debate da questão da identidade nacional. "Parece claro que o centro do debate é a presença de imigrantes muçulmanos na França. Não há, por exemplo, problemas em relação aos imigrantes portugueses ou belgas. O problema é a incapacidade de muitos franceses de aceitar que há pessoas que praticam uma religião que não estava inscrita na paisagem de 50 anos atrás. Hoje, há 4 milhões de muçulmanos na França."
Parte da oposição ao governo considera esse debate "perigoso" e "inútil", já que é difícil definir o que é ser francês em um país marcado por vários fluxos de imigração. Estimativas do Instituto Nacional de Estudos Demográficos indicam que, em média, nascem na França 136 mil filhos de estrangeiros. Em 2004, últimos dados disponíveis, havia na França 5,8% de estrangeiros, o que representa 3,5 milhões de pessoas.
Mas a maioria dos franceses parece favorável a abrir a discussão sobre o assunto. Segundo uma sondagem publicada pelo jornal "Le Parisien" deste domingo, 60% dos franceses aprovam o grande debate.

"Marselhesa" obrigatória
Segundo o ministro da Imigração, a "reafirmação" da identidade francesa passa por questões básicas. Entre as medidas em estudo para resgatar o amor à pátria, estão a criação de um curso de cidadania para adultos, a obrigação de os jovens cantarem o hino nacional ao menos uma vez por ano e uma cerimônia solene para a naturalização de estrangeiros. "Todos esses rituais são vazios e sem sentido se não houver igualdade entre os cidadãos, o que está longe de ser o caso, especialmente para os imigrantes africanos e árabes", avalia o professor Lindenberg.
Já para Camus, a proposta de assinatura de "um contrato republicano com a nação" para os estrangeiros recém-chegados ao território francês é "chocante". Na proposta do ministro Besson, esse contrato seria criado após avaliação do conhecimento da língua francesa e de valores da República.
Alinhado com o princípio da "imigração escolhida", defendida pelo presidente Sarkozy, conforme a proposta a ser discutida, seria possível criar uma via de naturalização mais rápida para "as pessoas que realizaram esforços excepcionais para se integrarem".
A população poderá acompanhar as propostas e a evolução do debate pela internet num fórum que reunirá as principais dúvidas. Em fevereiro, uma síntese dos meses de discussão será exposta num colóquio.
A líder do Partido Socialista, Martine Aubry, ainda não se pronunciou sobre o tema. Já a ex-candidata à Presidência Ségolène Royal pediu que seus colegas de partido não "rejeitem" o debate e "reconquistem os símbolos da nação".


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