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COMENTÁRIO
Criando terrorismo
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não foi preciso investigar muito
para que as autoridades turcas colocassem sob suspeição grupos islâmicos concentrados numa determinada área do pais. Os atentados brutais se sucediam, era quebrada uma convivência secular
com uma pequena comunidade
judaica e as atenções policiais logo
convergiram para ambientes conhecidos. Na Turquia há uma
guerra contra os curdos, cujo instrumento político e de luta armada é um partido de extração comunista, laico, portanto.
Os militares incentivaram e deram cobertura à criação de milícias muçulmanas para jogá-las
contra os curdos. Aí estaria a origem da onda de atentados que
abalaram a Turquia. Não é caso
único de tiro pela culatra envolvendo manipulação de extremistas. O fundamentalismo do Hamas instalou-se nos territórios
palestinos com a ajuda de Israel e
seu eficiente serviço secreto. Seria
contraponto ao secularismo da
OLP, de Iasser Arafat. Mas o Hamas acabou na linha de frente dos
atentados com suicidas-bombas
contra alvos civis dentro de Israel.
Depois de incensado tornou-se
matéria de abate. Na briga com a
Índia hinduísta pelo controle da
Caxemira muçulmana, o Paquistão fez o mesmo jogo. Armou e financiou esquadrões islâmicos radicais com a esperança de derrotar a Índia não numa guerra de
formato tradicional, mas travada
por meio de atentados que, em última instância, se voltaram contra
a matriz. A longa tragédia do Afeganistão partiu daí, com a adesão
americana e participação da CIA
nas maquinações dos militares
paquistaneses no poder.
Não se tratava mais da Índia, assunto do Paquistão. Nos anos 80 o
Afeganistão foi invadido pelos
russos em operação de proteção
do regime pró-Moscou. A CIA assumiu o comando da preparação
de milicianos islâmicos que iriam
combater os "comunistas ateus"
no Afeganistão. Era só atravessar
fronteiras sem qualquer controle.
Há registros de instrutores da CIA
se despedindo de "combatentes
de Deus" a caminho das montanhas afegãs com gritos de incentivo tipo "vão em frente que Alah
está com vocês". Formou-se assim o regime do Taleban.
De estudantes em escolas fundamentalistas no Paquistão custeadas pela CIA, em sua operação
de expulsão dos russos do Afeganistão, acabaram assumindo o
poder com uma cartilha radical.
Bin Laden e a Al Qaeda são subprodutos cuja notoriedade ofusca
os demais. O "jihad" como é conhecido hoje, guerrilha santa inclusive com recurso ao terrorismo, começou a existir com a CIA
no Paquistão, tendo em vista o
que acontecia no Afeganistão. Foi
parte da Guerra Fria. Não se esgotou por aí, com a derrota dos russos. Deslocou-se.
Para onde? Samuel Huntigton
fala numa guerra entre civilizações, na qual se enquadraria o 11
de Setembro. O tiro pela culatra se
reproduz de maneira ainda mais
trágica com o Iraque. A maioria
dos europeus não aceitou a versão
americana de vinculação de Saddam Hussein com os atentados
em Nova York e ao Pentágono.
Ela nunca foi comprovada, apesar
dos esforços da CIA em obter algo
que desse vida às afirmações de
que a invasão do Iraque se justificou como guerra contra o terror.
A ditadura iraquiana era secular, e Saddam, xingado de apóstata. O ex-ditador foi usado pelos
EUA contra os aiatolás do Irã. Hoje os europeus acreditam na existência de uma aliança entre Saddam e islâmicos radicais na insurgência contra a ocupação americana. Estão inseguros. Especialistas acham que os atentados na
Turquia podem ser um aviso a todos os que cooperam com o governo Bush no Iraque. Ou que
desmantelam células da Al Qaeda
e outros grupos na Europa, como
é o caso da Alemanha.
Os EUA invadiram o Iraque em
sua guerra contra o terrorismo,
como Bush não se cansa de dizer,
e o terrorismo afinal chega ao Iraque. Os americanos se dizem alvos de atentados. Com a resistência à invasão, juntaram-se Saddam e o islamismo radical.
NEWTON CARLOS é jornalista e analista
de questões internacionais
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