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ENTREVISTA DA 2ª/ÁLVARO GARCÍA LINERA
Vamos tirar reeleição da nova Carta boliviana
Segundo vice-presidente, questão controversa deve ter referendo próprio
ÁLVARO GARCÍA LINERA afirmou que o governo vai retirar a reeleição presidencial
da nova Carta boliviana. O tema, diz, será
submetido à avaliação da população em
um referendo diferente do que endossará ou não o
texto da Constituição. É a primeira vez que La Paz fala
da proposta. Mas nem isso, crê García Linera, destravará a tramitação da Carta, que ainda precisa ser votada pela Assembléia Constituinte ponto a ponto.
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
Para o vice de Evo Morales, a
oposição recusa-se a aprovar a
Constituição -que, afirma, estará pronta em 15 de dezembro- para não constitucionalizar a lei de nacionalização dos
hidrocarbonetos e terras.
Leia os principais trechos da
entrevista concedida à Folha,
sábado, em seu apartamento.
FOLHA - O sr. mencionou, numa
entrevista logo após a vitória nas
eleições, que a Bolívia caminhava
para resolver "o empate catastrófico" entre duas forças -conservadoras e progressistas- em que o país
estava preso. Com a crise com 6 dos
9 departamentos (Estados), o empate não está colocado de novo?
ÁLVARO GARCÍA LINERA - Na eleição de 2005, dissemos que isso
resolvia a questão do empate
catastrófico porque consolidava um projeto de país. Isso não
significa que havia acabado a
confrontação, mas naquele momento estava claro que a política que viria depois teria eixos
definidos, com posições mais
conservadoras ou mais radicais, mas já de consenso. Quais
são esses eixos? O papel do Estado na economia, a presença
dos indígenas e o tema das autonomias. Por isso, digo que,
em termos de idéias, o empate
se resolveu. Em termos de forças, não. Estamos no processo
de resolução gradual e conflituosa do empate catastrófico
com provável tensionamento e
provas de força. É um momento de dificuldades, de inflexão,
mas o que o governo tem como
adversário é uma coalização de
blocos regionais, com projetos
políticos regionais.
FOLHA - E a ameaça dos departamentos de declarar autonomia, o
governo não crê que seja real?
GARCÍA LINERA - Estamos num
momento em que o antigo bloco dominante se retira e se entrincheira regionalmente. As
fronteiras dos blocos são porosas. Onde parece haver um território da oposição existe, por
dentro, outras frentes. Mesmo
em Santa Cruz.
FOLHA - E o que o governo fará se
eles declararem autonomia de fato?
GARCÍA LINERA - É um ato de desespero que, esperamos, não
vai encontrar respaldo nem legitimidade. Se continuarem
com essa atitude de golpe, o governo tem instrumentos legais
para sancioná-los, mas também será a sociedade cruzenha,
de baixo, que terá de se distanciar dessas decisões.
FOLHA - O sr. já disse que a direita
estava sufocando os espaços de diálogo e que isso poderia desencadear
uma reação radical em alguns movimentos sociais. É este o cenário?
GARCÍA LINERA - É um cenário
potencial, mas não é o mais
provável. Surpreendeu-me um
discurso dos movimentos sociais: "Os governadores estão
dizendo que vão desacatar o governo nacional. Vamos desacatar também, vamos tomar terras". É um bumerangue: desacato contra o governo dá argumento ao desacato dos trabalhadores contra os empresários, dos camponeses. Eles estão abrindo uma caixa de Pandora que pode ser muito perigosa. Por isso estamos
convocando ao diálogo.
FOLHA - Há pessoas do MAS envolvidas nessa convocatória, como o
deputado Isac Ávalos...
GARCÍA LINERA - Não foi o Ávalos,
foi um dirigente indígena do
oriente, o que nos preocupou.
FOLHA - O governo convocou uma
reunião com governadores, que já
disseram que não vão. E agora?
GARCÍA LINERA - Vamos insistir.
Quem não vier não poderá falar
de democracia ante a opinião
pública nacional e externa.
FOLHA - Os governadores dizem
que essa convocação não é séria porque não tratará de suas demandas
-como a mudança do Renda Dignidade [programa de transferência de
renda a idosos financiado com parte
de um imposto sobre hidrocarbonetos, que cortará repasses regionais]- nem recuar na Constituinte.
Eles, e analistas, sustentam que as
duas aprovações foram ilegais.
GARCÍA LINERA - Sou presidente
do Congresso, e a sessão que
aprovou o Renda Dignidade foi
legal [na terça, quando manifestantes pró-governo cercavam o Congresso, o governo
contou com dois suplentes para
ter quórum]. Os senadores suplentes, pelo regulamento do
Senado, não têm de ser habilitados a participar pelos titulares. Basta que estes estejam ausentes. O Podemos não foi ao
Congresso porque não quis.
Não há uma só imagem de um
senador agredido ou perseguido pelos manifestantes. Toda a
imprensa estava lá. Não foram
porque eram a favor do corte de
recursos aos governadores,
porque isso permite que eles
disputem regionalmente com
um opositor com menos dinheiro. Não havia perigo. Nunca falaram comigo, mas falaram
com o presidente da Câmara
dos Deputados, que deu todas
as garantias de segurança.
FOLHA - E no texto da Carta, aprovada sem a a oposição. Como responder às críticas de que foi ilegal?
GARCÍA LINERA - Vamos ter uma
nova Constituição em 15 de dezembro. Aprovada em detalhe,
tomara que com a oposição.
Tudo o que fizemos foi tentar
dialogar. Quando a Assembléia
entrou em recesso, a pedido do
presidente, eu convoquei os
constituintes do Podemos. Depois, agregamos 16 forças. Cada
vez que fechávamos um acordo,
o Podemos se negava a assinar.
Fui falar com o governador Rubén Costas [de Santa Cruz]. Ele
me disse: "Vamos nos encontrar mais tarde". Estou esperando até agora. O mesmo com
Branco Marinkovic [presidente
do Comitê Cívico de Santa
Cruz]. Nem a minha namorada
eu persegui tanto...
FOLHA - O governo vai arcar com o
custo político e social de levar adiante a aprovação?
GARCÍA LINERA - O que nos resta?
A maioria política tem o direito
de exercer sua maioria, mas
também tem a obrigação de ouvir o ponto de vista da minoria.
Fizemos isso. A minoria tem o
direito de se fazer respeitar,
mas não de chantagear a maioria. A situação é essa. O que a
maioria tem de fazer? Abdicar
ante esse capricho político da
minoria?
FOLHA - Por trás do conflito da
Constituinte não está o tema da reeleição indefinida, presente no texto?
GARCÍA LINERA - Nossa proposta
é que o tema da reeleição, se
por um período ou indefinida,
seja resolvido em referendo.
FOLHA - Num referendo separado?
Não no pacote da nova Carta?
GARCÍA LINERA - Nossa proposta
é que esteja num referendo separado, e o texto constitucional, em outro bloco. Não nos
apegamos ao tema da reeleição.
O problema não é esse. Não
querem a nova Carta. Com a
Constituição, se vier a direita
ao governo, por exemplo, ela
precisará de ao menos 20 anos
para mudar a lei de hidrocarbonetos e de terras. A questão é a
durabilidade das mudanças
que fizemos.
FOLHA - O governo pensa em aceitar a mediação externa no conflito,
talvez do presidente Lula?
GARCÍA LINERA - É um problema
nosso. Não tem por que ter um
mediador externo.
FOLHA - O presidente Lula e uma
comissão da Petrobras vêm à Bolívia
na próxima semana. Vai ser acertada a transferência dos campos explorados pela francesa Total?
GARCÍA LINERA - Esperamos que
a Petrobras fique com os campos da Total. Para isso, as empresas estão chegando a um
acordo, e me parece que Petrobras pode comprar as ações da
francesa. Tomara que aconteça. Isso pode garantir que, no
fim de 2008, melhore o fluxo de
gás para São Paulo, que já está
garantido, Cuiabá e Argentina.
A Petrobras também vai investir nos campos que já tem.
FOLHA - No processo de nacionalização, posições erráticas da Bolívia
com a Petrobras melindraram o presidente Lula. As rusgas acabaram?
GARCÍA LINERA - Essa "nova fase"
entre a YPFB [estatal boliviana] e a Petrobras é mais pró-ativa. Entendemos o que aconteceu antes e pedimos a compreensão do povo brasileiro. A
Bolívia tinha que recuperar
seus hidrocarbonetos, como o
Brasil fez. Será uma nova relação baseada em exploração de
novas áreas. O Brasil também
vai nos ajudar com formação
técnica. E a questão mais forte:
com o gás que vai para o Brasil,
também vai um conjunto de
componentes de alto teor energético. No contrato, dizíamos
que iríamos entregar um valor
energético X, mas estamos
mandando um valor X + 5. A
fórmula de pagamento desses 5
é o que se está debatendo.
FOLHA - No processo de nacionalização, qual o papel de Chávez?
GARCÍA LINERA - Zero. Nas conversas que Hugo Chávez mantinha com nosso presidente o
tom era sempre: "Em que posso
ajudar?" e não "faça isso ou
aquilo". Um dia antes da nacionalização, Evo estava em Cuba.
O presidente Fidel Castro disse: "Avaliem um pouco, tenham
cuidado...". Foi uma decisão do
presidente Evo.
NA INTERNET - Leia a entrevista
completa em
www.folha.com.br/073361
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