São Paulo, sexta-feira, 04 de janeiro de 2008

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Raiz da revolta é distribuição desigual de recursos escassos

QUENTIN PEEL
DO "FINANCIAL TIMES"

O massacre de mulheres e crianças refugiadas numa igreja no Quênia suscitou comparações imediatas com o genocídio de Ruanda, em 1994. Mas seria enganoso reduzir a disputa pelo poder no país a uma história simples de rivalidades tribais e lançar acusações irresponsáveis de genocídio. Existe, sem dúvida, um elemento de vingança brutal contra o grupo étnico kikuyu por dominar a economia e a política do país desde que o Quênia obteve sua independência, em 1963. A fraude percebida nos resultados da eleição presidencial parece ter cristalizado o sentimento de revolta.
Mas essa não é uma história da vingança de uma tribo contra outra, como foi o caso em Ruanda com o massacre dos tutsis, minoritários, por membros da maioria hutu. O Quênia é um país muito mais complexo, econômica e etnicamente.
A tribo kikuyu é a maior do Quênia, mas não é grande o suficiente para poder controlar o país sem alianças com outros grupos. Mas hoje os kikuyus parecem estar cada vez mais isolados, na medida em que as tribos minoritárias se unem para combater sua influência.
Os kikuyus têm sido especialmente bem-sucedidos nos negócios, mas ultimamente vêm partilhando menos dos resultados destes com outros setores da população. "Quanto mais cresce a economia, piores se tornam as contradições econômicas", diz um ex-ministro. Para outro observador, "existem apenas duas tribos no Quênia: a dos que possuem recursos e a dos que não têm nada.
Mas os que têm dinheiro são em sua maioria kikuyus".
O Quênia é um país destituído de recursos naturais. Dois terços de suas terras são áridas ou semi-áridas. O país viveu uma explosão demográfica: sua população foi de 13,5 milhões em 1975 para 33,5 milhões em 2004, gerando competição acirrada pelas terras férteis.
O problema é mais agudo no vale do Rift, onde vem ocorrendo a maior parte dos incidentes de violência na área rural, incluindo o massacre na igreja.
Existe uma semelhança com o que acontece em Darfur, no Sudão: a disputa pela terra e a água se dá entre os pastores nômades tradicionais da tribo massai, os criadores de gado kalenjins e os agricultores kikuyus, que chegaram mais recentemente à região.
Os kikuyus, cujo local de origem é a Província Central, ao norte de Nairóbi, são os recém-chegados, e os criadores de gado que perderam suas terras nutrem ressentimentos históricos. Eles acusam o governo de assentar os agricultores kikuyus em terras distribuídas pela administração britânica, pouco antes da independência. Desde então, tensões étnicas afloram de tempos em tempos.
É contra esse pano de fundo explosivo que se dá o conflito mais recente.


Tradução de CLARA ALLAIN

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