São Paulo, quinta-feira, 04 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

Envolvimento traz mais dúvidas do que certezas

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Se realmente ocorrer, o envolvimento do Brasil na negociação nuclear com o Irã trará mais dúvidas do que certezas.
Aos fatos: os países vêm conversando sobre interesses mútuos no campo nuclear, e Teerã falou sobre o papel brasileiro no plano de enriquecer seu urânio no exterior.
Esse acordo visa que a AIEA saiba quanto urânio o Irã tem e, sobretudo, seu grau de enriquecimento -o que define se vai girar uma turbina ou explodir numa bomba. A última etapa de enriquecimento seria feita na França ou na Rússia.
Para o discurso público do Itamaraty, soa como música ter o Brasil como ator nessa trama, uma das maiores e mais perigosas disputas políticas em curso no mundo hoje.
Mas a natureza secreta das conversas com os aiatolás deixa uma pulga atrás da orelha do principal interessado em que o Irã não tenha a bomba, os EUA. Como Teerã já tem um acordo nuclear obscuro com a Venezuela de Hugo Chávez, seus movimentos na região são observados com atenção.
Não por acaso Washington pressiona Brasília a aderir aos protocolos adicionais do TNP, que tratam do controle do material físsil. Os EUA também querem que o Brasil, como 1 dos 3 países com grandes reservas de urânio e a tecnologia para enriquecê-lo, aceite um banco de combustível atômico sob o controle da AIEA.
Há outras nuances, centradas no papel da França. Desde que assinou com o Brasil uma parceria estratégica e fechou acordos militares bilionários, o país prospecta negócios nucleares. A agressiva estatal francesa Areva tem interesse nas reservas daqui, segundo envolvidos na negociação para a construção do submarino nuclear franco-brasileiro.
Outra especulação envolvendo os franceses dá conta de que Nicolas Sarkozy, adversário do Irã, pediu ajuda ao Brasil para fazer a escala do urânio iraniano. Por fim, é ventilado até um interesse brasileiro em tecnologia de mísseis iraniana.
De todo modo, não é claro o papel do Brasil. Se for estocagem em nome da AIEA, não há óbices técnicos. Mas se houver algum grau de enriquecimento do urânio no Brasil, isso leva a questionamentos.
O enriquecimento é um processo em que o gás hexafluoreto de urânio, cuja conversão a partir de um composto do minério chamado yellow cake só será feita no Brasil no fim do ano, é girado em alta velocidade em centrífugas. O urânio enriquecido, para uso industrial, médico ou militar, é separado no processo e reconvertido em material sólido.
A unidade das Indústrias Nucleares Brasileiras em Resende (RJ), com equipamentos fornecidos pelo centro da Marinha em Iperó (SP), fornece cerca de 5% do combustível das usinas Angra 1 e 2 (hoje ele ainda passa antes pelo Canadá para a conversão em gás).
Caso o produto iraniano fosse pré-enriquecido aqui, fica a dúvida sobre a capacidade de escala de fazê-lo e até qual grau -o enriquecimento para Angra é da ordem de 3%.


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