São Paulo, quarta-feira, 04 de março de 2009

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Ex-ministros são "indignos", escreve Fidel

Em artigo, ex-ditador ataca ex-colaboradores Pérez Roque e Carlos Lage um dia após Raúl Castro tirá-los de postos-chave

Ex-líder nega "antifidelismo" em mudança; analistas creem que projeção externa dos afastados pode ter sido a motivação de Raúl

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-ditador convalescente de Cuba, Fidel Castro, classificou ontem como "indignos" e seduzidos pelo "mel do poder" seus outrora íntimos colaboradores Felipe Pérez Roque e Carlos Lage, removidos respectivamente da Chancelaria e da função de "premiê de fato" na ampla reforma de gabinete anunciada anteontem.
Em mais "reflexão", os textos publicados ou postados na internet nos quais ele segue opinando sobre a vida na ilha, Fidel rejeitou a tese, endossada pela maioria dos analistas, de que as substituições em 12 cargos representem a saída de "fidelistas" para a entrada de uma equipe mais afim a seu irmão Raúl, no poder formal desde fevereiro do ano passado. "A maioria dos substituídos nunca foi proposta por mim", escreve o cubano, para depois afirmar que foi consultado sobre a reforma ministerial. Ataca duramente "os dois mais mencionados" pela imprensa, Pérez Roque e Lage. Diz que, ambiciosos, representaram alimentaram as esperanças "do inimigo externo". Arremata com uma exaltação da equipe de beisebol cubano.
A nota oficial sobre a reforma ministerial não mencionava consultas a Fidel sobre as escolhas, tampouco dizia o motivo porque os "companheiros", um tratamento respeitoso, haviam sido "liberados". Não foram indicadas novas funções para os dois, que seguem integrantes do Conselho de Estado, o órgão executivo da ilha.
Pérez Roque, 42, que era chanceler desde 1999, e Lage, 57, que como secretário do Conselho de Ministros foi artífice da estratégia econômica na crise dos anos 90, figuravam na lista de analistas e diplomatas como prováveis líderes cubanos pós-Castros. Pode ter vindo dessa projeção deles fora da ilha, especialmente a do "reformista" Lage, a razão de suas quedas, diz uma fonte da diplomacia brasileira familiarizada com o regime. Ela lembra que o hermetismo cubano desaconselha análises definitivas. "Lage ser visto como simpático potencial sucessor parece ter sido o caminho para ser queimado internamente."
No caso de Pérez Roque, que foi secretário pessoal de Fidel e por essa via subiu na hierarquia comunista, observadores cubanos enfatizam prática comum no ex-ditador, a de descartar ex-colaboradores. "Nunca foi característica sua ter compromissos sérios. A relação é funcional", diz o sociólogo cubano-dominicano Haroldo Dilla. "O ex-chanceler antes de Pérez Roque caiu sob as mesmas acusações. É comum com descartados", diz o dissidente Oscar Chepe, que militou no Partido Comunista até os anos 80.

Raulismo, Chávez, Obama
Apesar dos protestos de Fidel, analistas sustentam que a reforma do gabinete tem como marca a chegada de mais "raulistas", entre eles militares, a funções-chave, independentemente de isso ser recebido ou não como afronta pelo Castro mais velho. "Obviamente, Raúl não passaria por cima de Fidel, não é uma oposição. Para mim, ele [Fidel] não sabe mais o que fazer para chamar atenção. Aparece por aí, escreve para dizer que foi consultado", diz Dilla.
Para o sociólogo, a saída de Lage e Pérez Roque põe em questão dois fatores: 1) a consolidação do pacto de poder feito pelo general Raúl, com a união entre militares -sua poderosa base- e a parte mais dura do partido; 2) e a retirada de cena de atores ativos na relação com o aliado Hugo Chávez.
Dilla diz que foi um acerto de contas entre facções. Dada a aliança que fez, Raúl pôde prescindir dos "jovens", quer pragmáticos como Lage, quer dogmáticos como o ex-chanceler. "Mas o mais importante é a relação com Chávez. Agora, Raúl vai lidar diretamente com ele, e não os dois que deram mostras de submissão." O sociólogo cita declarações de Lage e a aparição de ambos com camisas "bolivarianas vermelhas", para agradar Caracas. A fonte diplomática brasileira corrobora a impressão de que os dois afastados eram vistos como próximos demais de Caracas, mas frisa que a gestão Raúl não pretende nem pode se afastar da Venezuela. Diz que não é segredo que Raúl tem menos química com Chávez do que Fidel. O venezuelano não comentou as mudanças.
Para Dilla, o novo chanceler Bruno Rodríguez, 51, que era vice na pasta, pode ajudar na relação com o governo Barack Obama. "Parece uma boa escolha. Ele serviu em Nova York, fala inglês, tem contatos lá."

Leia o artigo de Fidel Castro

www.folha.com.br/090624


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