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SOLIDARIEDADE
Organização incentiva consumidores a pagar mais por produtos para ajudar agricultores de países pobres
"Comércio justo" ganha novos mercados
VITOR PAOLOZZI
ENVIADO ESPECIAL A ITÁPOLIS (SP)
Você pagaria um pouco a mais
por uma xícara de café ou por um
cacho de bananas para ter certeza
de que os trabalhadores que os
produziram não foram explorados e, além disso, ainda incentivar
o desenvolvimento em países pobres? Conhecida como "fair trade" (comércio justo), essa prática
está conquistando cada vez mais
adeptos na Europa, nos Estados
Unidos, no Canadá e no Japão.
Um movimento que começou a
tomar forma há 15 anos hoje soma entidades de 17 países -reunidas na Fairtrade Labelling Organizations (FLO; organizações
rotuladoras de comércio justo)-
, em uma iniciativa para permitir
que os consumidores ricos do
Norte fiquem seguros de que estão ajudando produtores pobres
do hemisfério Sul quando vão ao
supermercado fazer compras.
Existem diversas organizações
internacionais com esse objetivo,
mas a Fairtrade se destaca pela
amplitude e pela adoção de um
selo que identifica os produtos
que certifica. Em 2003, foram comercializadas 77 mil toneladas de
produtos com o rótulo Fairtrade,
num volume de negócios que está
próximo dos US$ 500 milhões
(cerca de R$ 1,4 bilhão). Isso, no
entanto, ainda é uma gota no
oceano: a Organização Mundial
do Comércio calcula que em 2002
a agricultura movimentou no planeta mais de US$ 580 bilhões.
Em geral, uma mercadoria com
o selo da Fairtrade é de 10% e 20%
mais cara. Para o produtor, a vantagem pode ser maior. No caso do
café, um fazendeiro ganha apenas
US$ 0,65 se vender no mercado
normal uma libra (454 gramas)
dos grãos. Se operar na rede de
comércio justo, ele embolsa US$
1,26 pela mesma quantidade.
Preço mínimo
A Fairtrade garante aos produtores um preço mínimo, que não
se sujeita às flutuações dos mercados de commodities. "O princípio
é que o preço mínimo do comércio justo cubra os custos de produção. Um dos principais problemas na agricultura hoje em dia é
que os preços dos mercados mundiais nem sequer cobrem esse
custos", diz Rüdiger Meyer, diretor-gerente da FLO Cert (o braço
da organização que emite os certificados).
A Fairtrade também paga um
extra, ou "premium", que deve
ser obrigatoriamente investido no
desenvolvimento social e econômico das cooperativas e associações e suas comunidades.
O "premium" em alguns casos
pode chegar a centenas de milhares de dólares, segundo Meyer.
"Temos um projeto no Paraná, de
produtores de laranja, em que o
acordo é que os beneficiados sejam os colhedores, não os fazendeiros. Eles usaram o premium
para conseguir assistência médica
e a criação de cursos de alfabetização", diz Meyer.
Em troca do direito de exibir
nas embalagens de seus produtos
um selo Fairtrade -e assim atrair
a atenção dos consumidores politicamente corretos-, os produtores e varejistas precisam aderir a
uma série de princípios.
Na questão ambiental, os produtores que aderem às regras da
Fairtrade estão proibidos de usar
diversos tipos de pesticidas e devem assumir o compromisso de
evitar a erosão da terra e proteger
fontes naturais de água, florestas
virgens e ecossistemas de alto valor ecológico. Embora não seja
obrigatório, o cultivo de produtos
100% orgânicos é encorajado.
A Fairtrade afirma que seu trabalho beneficia mais de 800 mil
famílias de agricultores, reunidas
em 375 organizações produtoras
em cerca de 50 países da África, da
Ásia e da América Latina. Na outra parte da cadeia, são 337 empresas comerciantes registradas
(exportadores, importadores,
processadores e manufatores).
As primeiras ações de comércio
justo surgiram há 40 anos, com
pequenas parcerias isoladas entre
importadores e varejistas. Em
1989, na Holanda, foi criado o selo
Max Havelaar -o nome foi tirado de um livro do século 19 sobre
a exploração de plantadores javaneses de café por mercadores coloniais holandeses. Nove anos depois, surgiu a FLO.
A expansão do comércio justo é
do tipo que mereceria ser apontada como exemplo de "espetáculo
do crescimento": de 2000 a 2002
as vendas aumentaram cerca de
20% por ano; em 2003, 31%. Em
volume bruto, o país que mais
consome é a Suíça, mas ela deve
ser superada até o final do ano por
Estados Unidos e Reino Unido.
"No Reino Unido o comércio
justo está na moda. Quando você
dá uma festa, tem de fazer com
produtos de comércio justo. É um
fenômeno semelhante ao que
aconteceu há alguns anos com
produtos orgânicos", diz Meyer.
No Reino Unido, o comércio de
produtos "justos" atingiu a marca
de 100 milhões de libras (R$ 536
milhões) anuais. Em 2003, o crescimento das vendas foi de 46%.
A expansão do comércio justo
no Reino Unido está sendo impulsionada por adesões de peso.
O Exército da Salvação optou por
fazer compras apenas de produtos Fairtrade. A Associação de Albergues da Juventude decidiu só
oferecer chás e cafés "justos" em
seus refeitórios. O exemplo começa a ser imitado por universidades, escolas, grupos de escoteiros
e sindicatos.
Para Eileen Maybin, porta-voz
da Fundação Fairtrade do Reino
Unido, é o entusiasmo e a pressão
dos consumidores que provocam
o aumento da oferta. "É claro que
muitos varejistas relutaram em
trabalhar com produtos Fairtrade
no passado. Eles acabaram convencidos porque seus clientes
querem essas mercadorias. O
apoio e a demanda do consumidor são fundamentais para o sucesso da Fairtrade."
"Nossos clientes estão comprando mais e mais Fairtrade, e as
vendas crescem à medida que
ampliamos a oferta de produtos
para novas áreas, como vinhos e
flores", afirma Greg Sage, assessor
de imprensa da rede britânica de
supermercados Tesco, que oferece 60 diferentes mercadorias "justas" em suas prateleiras.
O concorrente Co-Op também
investe nesse segmento. "As vendas estão crescendo rapidamente.
Em 1998 foram menos de 1 milhão de libras, neste ano venderemos mais de 20 milhões. Por isso
estamos lançando mais linhas para atender à demanda", diz Brad
Hill, assessor da rede de supermercados, que vende quase 80
produtos com o selo Fairtrade.
Quando se imagina o impacto
negativo que causaram à Nike as
denúncias de maus tratos impostos aos trabalhadores de suas fábricas de bolas de futebol na Indonésia, fica ainda mais fácil de
entender porque muitas grandes
empresas encaram uma associação com o comércio justo como
uma excelente ferramenta para
melhorar sua imagem.
"O legal do comércio justo é que
as empresas podem se beneficiar
com ele. Dá a elas a oportunidade
de fazer parte de um sistema de
comércio paralelo sem colocar
em descrédito seus produtos tradicionais. Por exemplo, a Teekanne, maior produtor de chá na Alemanha: eles têm três ou mais linhas de chá de comércio justo e o
resto é chá convencional. Os varejistas vêem o comércio justo como uma oportunidade, o que nos
ajuda imensamente", diz Meyer.
Mais-valia
Apesar de os princípios do comércio justo poderem ser vistos
como uma devolução aos trabalhadores da mais-valia, Meyer rejeita qualquer associação com o
conceito marxista, ou motivação
ideológica, e afirma o caráter prático da iniciativa. "Não somos
contra o comércio. Nossa raiz é
desenvolvimento e não Karl
Marx. Não somos um bando de
esquerdistas que têm idéias estranhas sobre a economia. Queremos usar as relações de comércio
existentes e simplesmente oferecer dentro disso uma alternativa."
Críticos da Fairtrade, no entanto, afirmam que tudo o que o movimento faz é garantir uma maneira de a classe média aliviar seu
sentimento de culpa. O Instituto
Adam Smith, uma organização
britânica de estudos sobre livre
comércio, divulgou um estudo
em que afirma que o esquema de
comércio justo está "fadado ao
fracasso". "No caso específico do
café, aqueles que (...) defendem
esquemas inconsistentes para elevar os preços podem ter a melhor
das intenções, mas não estão realmente ajudando. Na melhor das
hipóteses, estão desviando tempo
e energia para becos sem saída.
Na pior, poderiam acabar tornando a situação ainda pior. As pessoas podem se sentir bem ignorando as realidades do mercado,
mas não produzirão nenhum
bem", conclui o estudo.
Maybin, naturalmente, rebate
essa análise. "Produtos Fairtrade
são apenas parte da solução, mas
são importantes porque significam uma maneira prática de os
consumidores ajudarem os produtores dos países em desenvolvimento. Comprar produtos Fairtrade também é um voto pela mudança das regras do comércio."
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