São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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Para jovens, sensação é de estado de sítio

FREE-LANCE PARA A FOLHA

As linhas telefônicas da Muslim Youth Helpline (linha de apoio a jovens muçulmanos), um serviço no estilo do brasileiro Centro de Valorização da Vida (CVV), têm estado congestionadas nos últimos dias, após a prisão de oito jovens, provavelmente radicais muçulmanos, suspeitos de planejar um ataque terrorista.
"Temos conseguido atender a apenas 35% das chamadas que nos chegam. São muitos os jovens preocupados com o que pode acontecer a eles", disse, em entrevista à Folha, Layli Uddin, uma das coordenadoras do projeto, implantado por ONGs islâmicas londrinas logo após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos EUA. O objetivo é dar suporte psicológico exclusivamente a muçulmanos de até 25 anos. A capacidade da rede será expandida até o fim do mês. (FZ)

 

Folha - Como o combate ao terrorismo tem afetado jovens muçulmanos?
Layli Uddin -
Grande parte dos temas das ligações telefônicas é referente a jovens reclamando de depressão. E muitos mencionam o que está acontecendo no contexto internacional.

Folha - Há muita referência à discriminação por parte do governo, da polícia?
Uddin -
Existe uma enorme islamofobia em instituições como a mídia e a classe política, o que leva a um sentimento de alienação entre os jovens com relação ao que o governo está fazendo, o que está sendo oferecido a eles. Os jovens não vêem benefícios em termos de empregos e oportunidades. O que vêem é o governo engajado em aventuras no Iraque, ignorando temas críticos para eles, como a situação palestina. Há uma mistura de política local e política global na raiz do problema.

Folha - O que mudou depois da prisão dos oito jovens?
Uddin -
Isso obviamente contribui para a angústia de jovens que acreditam que o governo os tenha escolhido como alvos. Tem havido um número desproporcional de prisões dentro da comunidade muçulmana. Há um sentimento de que estamos em estado de sítio, de termos de constantemente olhar à nossa volta.

Folha - A sra. sente simpatia entre os jovens por violência como resposta a isso?
Uddin -
Não, na quase totalidade. O que fica claro para os jovens é que as pessoas que foram presas não conseguiram se integrar na sociedade britânica. Há uma razão para isso, no entanto. Não tem havido esforço pela sociedade, pelo governo, de dialogar.
Alguns jovens expressam suas frustrações de maneiras não apropriadas, mas o sentimento de exclusão é de muitos, apesar de não chegarem a um ponto tão drástico. O que tentamos fazer é iniciar um diálogo com a sociedade, mas o que recebemos na outra ponta são respostas agressivas, da imprensa e do governo, que agora defende até que paquistaneses e bengaleses devem evitar falar sua língua em prol do inglês.

Folha - Mas é inegável que muitos muçulmanos também não fazem grandes esforços para se integrar com outras comunidades, escolhendo viver isoladamente em bairros de grandes cidades...
Uddin -
Muitos muçulmanos vivem em comunidades separadas não apenas por livre escolha, mas por uma série de fatores externos. O que aconteceu em Oldham, em 2001 [onde houve confrontos entre muçulmanos e grupos xenófobos], foi o resultado do fracasso da sociedade em se relacionar com jovens muçulmanos.


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