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GUERRA SEM LIMITES/REINO UNIDO
Líderes moderados admitem presença de extremistas, mas apontam perseguição injusta
Islâmicos criticam "mão pesada" britânica
FÁBIO ZANINI
FREE-LANCE PARA A FOLHA,
EM BIRMINGHAM
Ao microfone, falando para 500
homens que lotaram a mesquita
central de Birmingham (centro-oeste da Inglaterra) anteontem, o
imã Mohamad Ismawl iniciou seu
sermão reclamando do que sentia
ser uma perseguição injusta contra os muçulmanos.
"Muitos estão nos culpando pelas atrocidades cometidas irresponsavelmente em nome de Alá",
disse, em tom elevado, reproduzindo discurso que havia acabado
de recitar em urdu (idioma paquistanês) e que repetiria ainda
em árabe. Em seguida, a convocação: "Precisamos estar na linha de
frente da defesa do verdadeiro islã, o islã conciliador".
A condenação ao extremismo,
mas também ao que é visto como
"mão pesada" das autoridades
contra a comunidade muçulmana, foi reproduzida em mesquitas
de todo o Reino Unido na semana
passada, em uma ação convocada
pelo Muslim Council of Britain
(conselho britânico de muçulmanos).
Maior organização islâmica do
país, reunindo 400 mesquitas e 1,6
milhão de fiéis, o conselho decidiu agir após a prisão de oito jovens em Londres, supostamente
muçulmanos de origem paquistanesa, que planejavam, de acordo
com a polícia, causar explosões
usando fertilizante como matéria-prima.
Em carta enviada a seus associados na última quarta-feira, o conselho pedia que a comunidade se
mantivesse vigilante e colaborasse com a polícia sempre que houvesse suspeita de atos terroristas.
Mas também denunciava o fato
de centenas de prisões terem sido
feitas no país, desde os atentados
de 11 de setembro de 2001 nos
EUA, sem que a grande maioria
dos detidos, no entanto, tivesse sido sequer indiciada.
O primeiro-ministro Tony
Blair, visto com hostilidade por
grande parte dos muçulmanos
por seu papel na invasão do Iraque, se disse satisfeito com a iniciativa.
A ação foi nada mais que um
"ato de responsabilidade", segundo relatou à Folha Inayat Bunglawala, um dos redatores da carta
do conselho islâmico. Ele concorda com o diagnóstico da polícia
de que, após os ataques terroristas
em Madri no mês passado, um
atentado similar em Londres não
é uma questão de "se", mas de
"quando".
"A idéia de que um ataque terrorista no Reino Unido é uma
questão de tempo é exercitar o
bom senso. Seria irresponsável
pensar de outra forma", afirmou.
Mas ele reiterou que é injusto o
tratamento dispensado pelas autoridades a muçulmanos, o que
mostra a desconfortável situação
que enfrenta a comunidade no
país, que reconhece haver terrorismo islâmico, ao mesmo tempo
em que pede limites à polícia.
A polícia, após o 11 de Setembro,
prendeu 600 pessoas, das quais
cinco foram condenadas. "É preciso tomar cuidado para que não
sejam presas pessoas com evidências espúrias, porque isso pode
aumentar o ressentimento e ter
efeito contrário", disse.
Ele assegurou que a carta foi
bem recebida em toda a comunidade, mas o assunto é polêmico.
Adam Yosef, um dos diretores da
mesquita central de Birmingham,
disse concordar com o conteúdo,
mas discordar da forma.
"Ficou parecendo que estamos
reagindo só agora a uma situação
que nos pegou desprevenidos,
quando, na verdade, nós aqui pregamos tolerância e respeito há
anos. A imagem passada para a
sociedade nos jogou dez, 20 anos
no passado", afirmou.
Mão-de-obra
Com 3% da população declaradamente muçulmana (2 milhões
de pessoas), segundo o último
censo, de 2001, o Reino Unido
mescla níveis elevados de integração entre comunidades em algumas grandes cidades com verdadeiros guetos em outras localidades. A maioria dos islâmicos veio
de ex-colônias como Paquistão,
Bangladesh e Caxemira (Índia)
para alimentar a indústria pesada,
principalmente no pós-guerra.
Mas, enquanto uma parcela se
integrou à vida econômica, muitos tiveram como destino o subemprego, quando muitas indústrias faliram nas décadas de 70 e
80. Os reflexos são sentidos até
hoje: a taxa de desemprego entre
bengaleses passa dos 20%, e entre
os paquistaneses é de 16% -a
média nacional não chega a 4%.
Em grandes metrópoles, são comuns a imagem do executivo de
terno usando a longa barba característica dos seguidores da religião e da policial com véu. Mas,
em cidades menores, os níveis de
integração permanecem mínimos.
"Além do desemprego para os
jovens, a maior ameaça à moderação e à tolerância é o atraso das
comunidades isoladas. Muçulmanos com costumes como casamentos arranjados são presas fáceis de extremistas", diz Yosef, da
mesquita de Birmingham.
Apesar de dizer que há "moderação" entre os muçulmanos britânicos, Yosef admite que os grupos extremistas não podem ser
desprezados. Uma das maiores
do país e considerada uma das
mais tolerantes, a mesquita de
Birmingham colocou, no mês
passado, um livro de condolências às vítimas do atentado em
Madri, mas, numa mostra de que
elementos mais radicais também
freqüentam o local, o objeto foi
roubado.
Historicamente, radicais islâmicos expulsos de países como Paquistão e Egito encontraram refúgio no Reino Unido aproveitando-se das relativamente flexíveis
regras de imigração. Uma recente
pesquisa mostrou que 13% dos
muçulmanos britânicos disseram
que um novo ataque da Al Qaeda
aos EUA seria "justificado".
O governo agora corre para endurecer critérios para concessão
de asilo e visto de permanência.
Carteiras de identidade, que não
existem no país, serão agora implantadas em ritmo acelerado, segundo anunciou Blair, para protesto de grupos civis.
A "mão pesada" do governo
que os muçulmanos criticam e
que deve endurecer ainda mais
pode radicalizar parte da comunidade, principalmente jovens.
"A guerra contra o terrorismo
do governo é uma piada. É uma
guerra contra o islã", diz um estudante de cerca de 20 anos que não
quis se identificar. "Uma guerra
em que Osama bin Laden é feito
de bode expiatório para justificar
tudo o que é ação contra muçulmanos."
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