São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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GUERRA SEM LIMITES/REINO UNIDO

Líderes moderados admitem presença de extremistas, mas apontam perseguição injusta

Islâmicos criticam "mão pesada" britânica

FÁBIO ZANINI
FREE-LANCE PARA A FOLHA,
EM BIRMINGHAM

Ao microfone, falando para 500 homens que lotaram a mesquita central de Birmingham (centro-oeste da Inglaterra) anteontem, o imã Mohamad Ismawl iniciou seu sermão reclamando do que sentia ser uma perseguição injusta contra os muçulmanos.
"Muitos estão nos culpando pelas atrocidades cometidas irresponsavelmente em nome de Alá", disse, em tom elevado, reproduzindo discurso que havia acabado de recitar em urdu (idioma paquistanês) e que repetiria ainda em árabe. Em seguida, a convocação: "Precisamos estar na linha de frente da defesa do verdadeiro islã, o islã conciliador".
A condenação ao extremismo, mas também ao que é visto como "mão pesada" das autoridades contra a comunidade muçulmana, foi reproduzida em mesquitas de todo o Reino Unido na semana passada, em uma ação convocada pelo Muslim Council of Britain (conselho britânico de muçulmanos).
Maior organização islâmica do país, reunindo 400 mesquitas e 1,6 milhão de fiéis, o conselho decidiu agir após a prisão de oito jovens em Londres, supostamente muçulmanos de origem paquistanesa, que planejavam, de acordo com a polícia, causar explosões usando fertilizante como matéria-prima.
Em carta enviada a seus associados na última quarta-feira, o conselho pedia que a comunidade se mantivesse vigilante e colaborasse com a polícia sempre que houvesse suspeita de atos terroristas. Mas também denunciava o fato de centenas de prisões terem sido feitas no país, desde os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, sem que a grande maioria dos detidos, no entanto, tivesse sido sequer indiciada.
O primeiro-ministro Tony Blair, visto com hostilidade por grande parte dos muçulmanos por seu papel na invasão do Iraque, se disse satisfeito com a iniciativa.
A ação foi nada mais que um "ato de responsabilidade", segundo relatou à Folha Inayat Bunglawala, um dos redatores da carta do conselho islâmico. Ele concorda com o diagnóstico da polícia de que, após os ataques terroristas em Madri no mês passado, um atentado similar em Londres não é uma questão de "se", mas de "quando".
"A idéia de que um ataque terrorista no Reino Unido é uma questão de tempo é exercitar o bom senso. Seria irresponsável pensar de outra forma", afirmou.
Mas ele reiterou que é injusto o tratamento dispensado pelas autoridades a muçulmanos, o que mostra a desconfortável situação que enfrenta a comunidade no país, que reconhece haver terrorismo islâmico, ao mesmo tempo em que pede limites à polícia.
A polícia, após o 11 de Setembro, prendeu 600 pessoas, das quais cinco foram condenadas. "É preciso tomar cuidado para que não sejam presas pessoas com evidências espúrias, porque isso pode aumentar o ressentimento e ter efeito contrário", disse.
Ele assegurou que a carta foi bem recebida em toda a comunidade, mas o assunto é polêmico. Adam Yosef, um dos diretores da mesquita central de Birmingham, disse concordar com o conteúdo, mas discordar da forma.
"Ficou parecendo que estamos reagindo só agora a uma situação que nos pegou desprevenidos, quando, na verdade, nós aqui pregamos tolerância e respeito há anos. A imagem passada para a sociedade nos jogou dez, 20 anos no passado", afirmou.

Mão-de-obra
Com 3% da população declaradamente muçulmana (2 milhões de pessoas), segundo o último censo, de 2001, o Reino Unido mescla níveis elevados de integração entre comunidades em algumas grandes cidades com verdadeiros guetos em outras localidades. A maioria dos islâmicos veio de ex-colônias como Paquistão, Bangladesh e Caxemira (Índia) para alimentar a indústria pesada, principalmente no pós-guerra.
Mas, enquanto uma parcela se integrou à vida econômica, muitos tiveram como destino o subemprego, quando muitas indústrias faliram nas décadas de 70 e 80. Os reflexos são sentidos até hoje: a taxa de desemprego entre bengaleses passa dos 20%, e entre os paquistaneses é de 16% -a média nacional não chega a 4%.
Em grandes metrópoles, são comuns a imagem do executivo de terno usando a longa barba característica dos seguidores da religião e da policial com véu. Mas, em cidades menores, os níveis de integração permanecem mínimos.
"Além do desemprego para os jovens, a maior ameaça à moderação e à tolerância é o atraso das comunidades isoladas. Muçulmanos com costumes como casamentos arranjados são presas fáceis de extremistas", diz Yosef, da mesquita de Birmingham.
Apesar de dizer que há "moderação" entre os muçulmanos britânicos, Yosef admite que os grupos extremistas não podem ser desprezados. Uma das maiores do país e considerada uma das mais tolerantes, a mesquita de Birmingham colocou, no mês passado, um livro de condolências às vítimas do atentado em Madri, mas, numa mostra de que elementos mais radicais também freqüentam o local, o objeto foi roubado.
Historicamente, radicais islâmicos expulsos de países como Paquistão e Egito encontraram refúgio no Reino Unido aproveitando-se das relativamente flexíveis regras de imigração. Uma recente pesquisa mostrou que 13% dos muçulmanos britânicos disseram que um novo ataque da Al Qaeda aos EUA seria "justificado".
O governo agora corre para endurecer critérios para concessão de asilo e visto de permanência. Carteiras de identidade, que não existem no país, serão agora implantadas em ritmo acelerado, segundo anunciou Blair, para protesto de grupos civis.
A "mão pesada" do governo que os muçulmanos criticam e que deve endurecer ainda mais pode radicalizar parte da comunidade, principalmente jovens.
"A guerra contra o terrorismo do governo é uma piada. É uma guerra contra o islã", diz um estudante de cerca de 20 anos que não quis se identificar. "Uma guerra em que Osama bin Laden é feito de bode expiatório para justificar tudo o que é ação contra muçulmanos."


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