São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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ENTREVISTA

Presidente do Senado, Mironov refuta acusação de que democratização falhou no país e prevê boas relações com Brasil

Rússia é livre graças a Putin, diz líder político

Mladen Antonov - 12.mar.2004/France Presse
Homem passa por retrato do presidente Vladimir Putin em foto feita antes da eleição, em março


MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Quando publica seus manifestos, a imprensa oposicionista não percebe que fala de uma Rússia antiga, na qual o dinheiro roubado era a base do Estado e da sociedade. Mas, graças ao presidente Vladimir Putin, a Rússia tornou-se um país livre e democrático.
A afirmação é de Serguei Mironov, 51, presidente do Conselho da Federação (Câmara Alta do Parlamento da Rússia), terceiro homem na hierarquia de poder do país e candidato à Presidência na eleição ocorrida em meados do mês passado.
Segundo analistas, ele entrou na disputa para evitar que seu amigo Putin se tornasse candidato único caso os outros abandonassem a competição eleitoral.
Leia a seguir trechos da entrevista que Mironov concedeu à Folha, anteontem, num hotel da zona oeste de São Paulo. Ele termina hoje sua visita oficial ao Brasil.
 

Folha - Quais são os maiores problemas russos, que Putin terá de resolver em seu segundo mandato?
Serguei Mironov -
Infelizmente, a Rússia tem muitos problemas atualmente. Quando foi eleito presidente pela primeira vez, em 2000, Putin estabeleceu as principais direções de suas políticas externa e interna. Foi por conta dessa definição que ele pôde obter uma vitória indiscutível na última eleição, na qual 71% dos eleitores escolheram dar-lhe um segundo mandato. Isso significa que os objetivos do presidente são bem claros aos olhos do eleitorado.

Folha - Quais são, então, os objetivos da política interna de Putin?
Mironov -
O primeiro -e mais importante- objetivo de Putin é melhorar a qualidade de vida da população. O Ministério do Desenvolvimento Econômico, o das Finanças e o das Questões Sociais já receberam instruções precisas nesse sentido, pois o presidente lhes deixou claro que se trata de seu principal objetivo.
Assim, eles sabem que sua grande tarefa é melhorar o modo como vive a população russa. Por exemplo, num prazo de no máximo três anos, o número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza deverá cair 60%, segundo as diretivas de Putin.
Outra prioridade é dobrar o PIB [total de riquezas produzidas no país] até 2008. O presidente também pretende dar continuidade à reforma administrativa que já vem sendo feita na Rússia. A reforma das Forças Armadas é outro objetivo de Putin. Há ainda uma série de outros pontos, porém esses são os principais.

Folha - Como fazer para dobrar o PIB até 2008 se a economia russa é dependente do preço internacional do petróleo e do gás natural e se seria impossível dobrar sua capacidade de produção em pouco tempo?
Mironov -
Trata-se de uma ótima pergunta. A solução passa por uma modificação das estruturas da economia da Rússia, buscando fugir a essa forte dependência de recursos naturais. É necessário, portanto, uma significativa elevação do peso dos produtos de alta tecnologia na economia russa.
Acreditamos que isso seja possível sobretudo no âmbito da indústria militar russa, pois, atualmente, existe um número muito alto de pessoas de bom nível educacional que já trabalham no setor militar. A tecnologia de ponta é a solução de nossos problemas.
Afinal, o PIB só poderá ser duplicado se dermos ênfase ao setor da alta tecnologia. Mesmo que conseguíssemos dobrar nossa produção de petróleo em tão pouco tempo, isso não seria suficiente para dobrar o PIB [que, em paridade de poder de compra, foi de cerca de US$ 1,4 trilhão em 2002].

Folha - Muitos especialistas ocidentais afirmam que a democratização fracassou na Rússia, visto que seu governo está se tornando cada vez mais autoritário. Qual é sua opinião a esse respeito?
Mironov -
Não concordo com isso. A Rússia é um país livre e democrático. Por exemplo, a liberdade de imprensa é garantida pela Constituição russa. É claro que, às vezes, podemos não gostar de algumas publicações da imprensa oposicionista. Quero salientar que ela existe na Rússia. Porém não podemos fechar esses meios de comunicação porque a Constituição estabelece que a liberdade de imprensa deve ser respeitada.
Por exemplo, [Boris] Berezovsky [empresário de mídia que era próximo do Kremlin e hoje está exilado], que gosta de dizer que é inimigo de Putin, publica seus artigos na imprensa russa com certa freqüência, afirmando que a democratização falhou na Rússia.
Aliás, é importante para Berezovsky que Putin seja visto como seu inimigo. Evidentemente, todavia, o presidente não lhe dá muita atenção. O problema é que, quando publica seus manifestos na imprensa russa, Berezovsky não percebe que fala de uma Rússia antiga, na qual o dinheiro roubado era a base do Estado e da sociedade. Graças a Putin, contudo, a Rússia mudou e transformou-se num país livre e democrático.
Quando um presidente se reelege com 71% dos votos, fica claro que ele trabalha pela democracia e que isso é reconhecido pela população. Caso contrário, ele não seria apoiado por tanta gente.

Folha - Não há, portanto, uma campanha de cerceamento do trabalho da imprensa na Rússia?
Mironov -
De jeito nenhum! O fato de as pessoas poderem falar sobre o tema mostra que essa acusação não é verdadeira. Quem violou as leis russas e teve de fugir do país por conta disso diz coisas que não têm base na realidade.
Vale lembrar que pessoas como Berezovsky e [Vladimir] Gusinsky [outro empresário de mídia] estão fora do país hoje por causa de suas atividades ilícitas. Se houvesse uma campanha contra a liberdade de imprensa, eu seria o primeiro a denunciá-la.

Folha - Como o Brasil e a Rússia poderão estreitar suas relações?
Mironov -
Até alguns anos atrás, os países mais desenvolvidos ou promissores eram os EUA, a Rússia, a China e a Índia. Hoje, porém, as coisas evoluíram por conta do desenvolvimento político-econômico do Brasil e da consolidação da União Européia. Vivemos um momento em que os líderes regionais são vitais.
Assim, a Índia, a China, a Rússia, o Brasil e a África do Sul ganharam bastante força na cena internacional. O século 21 permitirá que a Rússia fortaleça suas relações com os outros líderes regionais. Temos relações históricas com a Índia e com a China e estamos aprofundando nossa ligação com o Brasil. Minha visita ao Brasil e a de Putin em novembro ajudarão a fortalecer nossas relações.
Há vários pontos que nos unem, como a construção de aviões, a exploração pacífica do espaço e a ampliação de nossas capacidades energéticas. Além disso, nossos povos têm um modo de pensar bastante semelhante.

Folha - Sua visita tem ligação com a intenção do Brasil de comprar caças para suas Forças Armadas?
Mironov -
Não, trata-se de algo que já estava planejado. Mas, se resolver comprar os aviões russos, o Brasil não cometerá um erro. O Brasil e a Rússia vão surpreender o mundo neste século.


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