São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

Igreja já vê João Paulo 2º como santo

Cardeal usa um título reservado aos santos para se referir ao papa, e fiéis alegam ter sido beneficiados por poder milagroso

PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Eu o vi... ele morreu com a serenidade dos santos", proclamou o cardeal Angelo Sodano, o secretário de Estado do Vaticano, ante uma multidão de fiéis ontem, enquanto o corpo do papa João Paulo 2º aparecia em canais de TV do mundo inteiro. Foi apenas uma das indicações de que muitos na igreja já o consideram um santo.
Em outro sinal de apoio à canonização, no texto da homília preparada para a missa na basílica de são Pedro, Sodano chamou Karol Wojtyla de "João Paulo, o Grande", título geralmente reservado a papa considerados santos -tais como "Leão 1º, o Grande" (440-461) e "Gregório 1º, o Grande" (590-604).
Um dos candidatos à sucessão papal, Sodano não pronunciou o título durante a leitura de sua homília na missa, mas os textos do Vaticano são considerados oficiais mesmo quando não são efetivamente lidos.
Wojtyla sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 1981, e a exposição sistemática de sua fragilidade (agravada sobretudo pelo mal de Parkinson) nos últimos anos contribuiu para divulgar a imagem de um mártir. De acordo com o teólogo polonês Jan Drabina, o sofrimento físico do papa provocou muita admiração entre os católicos, que o viam se sacrificando em prol da igreja.
Como é comum nesses casos (quando se cogita uma canonização), alguns católicos já alegam ter sido beneficiados pelo poder milagroso do "santo papa" (não confundir com Santo Padre, como um papa também é conhecido). Em lágrimas, um argentino dizia ontem que havia rezado para o papa num dia 9 de abril (ele não especificou o ano) para que sua mulher engravidasse e atualmente tem cinco filhos. Nos jornais, liam-se ontem manchetes como "Muere un papa, nace un santo" (na Guatemala).
Na Polônia, Wadowice (cidade natal de Wojtyla) e Cracóvia, onde ele viveu e se tornou arcebispo em 1963, transformaram-se em santuários e centros de peregrinação para fiéis poloneses que rezam pela alma do papa, idealizado como um santo no país. Muitas famílias têm um retrato dele ao lado das imagens de santos. "João Paulo 2º foi um santo", afirmou o padre Adam Boniecki, editor-chefe do semanário católico polonês Tygodnik Powszechy.
A considerar que a Igreja Católica, durante o pontificado de João Paulo 2º, realizou o maior número de beatificações e de canonizações de sua história, não se estranha a indicação de que o próprio papa que comandou o que foi chamado de uma "fábrica de santos" seja valorizado por ela.
Seus predecessores nomearam 808 beatos e 296 santos, e Wojtyla realizou mais de 1.300 beatificações, incluindo as de 1.031 mártires, e 480 canonizações, incluindo as de 402 mártires e a do fundador da Opus Dei, Josemaría Escrivá de Balaguer (alvo de protestos).
João Paulo 2º abriu um precedente para que o início do processo de beatificação seja mais rápido que o tradicional. Em outubro de 2003, beatificou Madre Teresa de Calcutá em um dos processos mais rápidos da história da Igreja Católica. O processo de beatificação foi aberto dois anos depois da morte da religiosa de origem albanesa, sem que o papa aguardasse o período usual de cinco anos para considerar sua santidade.
Os simpatizantes de Madre Teresa pediram que o papa fizesse uma exceção e acelerasse o processo -iniciado em 1999, três anos antes do normal (ela morreu em 1997).
A Igreja Católica levou em consideração a grande popularidade da religiosa em várias partes do mundo. Na Índia, não apenas católicos, mas hindus, muçulmanos, sikhs e budistas costumam recorrer à religiosa, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1979.

"Uma só mensagem"
Se a popularidade de Madre Teresa (além da relação pessoal dela com o papa) influenciou a decisão da igreja de apressar sua beatificação, no caso do papa, cujo carisma e capacidade comunicativa eram notáveis, isso deve ser um fator determinante.
"A mensagem do papa e da Madre Teresa, no fundo, é uma só", na opinião do cardeal português d. José Saraiva Martins, prefeito da Congregação das Causas dos Santos desde 1998.

Controvérsia
João Paulo 2º condenou as guerras (como a do Iraque), pediu perdão por erros cometidos pela Igreja Católica no passado e buscou uma aproximação com adeptos de outras religiões e de outras denominações cristãs.
A abertura do processo deve provocar críticas não apenas mas principalmente por causa da oposição do papa ao uso do preservativo -que teria vetado seu nome ao Nobel da Paz em mais de uma ocasião. Críticos protestam ainda contra a punição de dissidentes, a centralização excessiva e a recusa em debater temas como a ordenação feminina e o celibato clerical.
Um processo de beatificação pode durar décadas ou séculos. No caso do padre Anchieta, o processo se iniciou em 1617. O Vaticano demorou 363 anos para declarar Anchieta beato, em 1980. Os defensores da causa aguardam a comprovação de um milagre para que ele venha a ser santo.


Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP


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