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A MORTE DO PAPA
Igreja já vê João Paulo 2º como santo
Cardeal usa um título reservado aos santos para se referir ao papa, e fiéis alegam ter sido beneficiados por poder milagroso
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Eu o vi... ele morreu com a serenidade dos santos", proclamou
o cardeal Angelo Sodano, o secretário de Estado do Vaticano, ante
uma multidão de fiéis ontem, enquanto o corpo do papa João Paulo 2º aparecia em canais de TV do
mundo inteiro. Foi apenas uma
das indicações de que muitos na
igreja já o consideram um santo.
Em outro sinal de apoio à canonização, no texto da homília preparada para a missa na basílica de
são Pedro, Sodano chamou Karol
Wojtyla de "João Paulo, o Grande", título geralmente reservado a
papa considerados santos -tais
como "Leão 1º, o Grande" (440-461) e "Gregório 1º, o Grande"
(590-604).
Um dos candidatos à sucessão
papal, Sodano não pronunciou o
título durante a leitura de sua homília na missa, mas os textos do
Vaticano são considerados oficiais mesmo quando não são efetivamente lidos.
Wojtyla sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 1981, e a
exposição sistemática de sua fragilidade (agravada sobretudo pelo mal de Parkinson) nos últimos
anos contribuiu para divulgar a
imagem de um mártir. De acordo
com o teólogo polonês Jan Drabina, o sofrimento físico do papa
provocou muita admiração entre
os católicos, que o viam se sacrificando em prol da igreja.
Como é comum nesses casos
(quando se cogita uma canonização), alguns católicos já alegam
ter sido beneficiados pelo poder
milagroso do "santo papa" (não
confundir com Santo Padre, como um papa também é conhecido). Em lágrimas, um argentino
dizia ontem que havia rezado para o papa num dia 9 de abril (ele
não especificou o ano) para que
sua mulher engravidasse e atualmente tem cinco filhos. Nos jornais, liam-se ontem manchetes
como "Muere un papa, nace un
santo" (na Guatemala).
Na Polônia, Wadowice (cidade
natal de Wojtyla) e Cracóvia, onde ele viveu e se tornou arcebispo
em 1963, transformaram-se em
santuários e centros de peregrinação para fiéis poloneses que rezam pela alma do papa, idealizado como um santo no país. Muitas famílias têm um retrato dele
ao lado das imagens de santos.
"João Paulo 2º foi um santo", afirmou o padre Adam Boniecki, editor-chefe do semanário católico
polonês Tygodnik Powszechy.
A considerar que a Igreja Católica, durante o pontificado de João
Paulo 2º, realizou o maior número de beatificações e de canonizações de sua história, não se estranha a indicação de que o próprio
papa que comandou o que foi
chamado de uma "fábrica de santos" seja valorizado por ela.
Seus predecessores nomearam
808 beatos e 296 santos, e Wojtyla
realizou mais de 1.300 beatificações, incluindo as de 1.031 mártires, e 480 canonizações, incluindo
as de 402 mártires e a do fundador
da Opus Dei, Josemaría Escrivá de
Balaguer (alvo de protestos).
João Paulo 2º abriu um precedente para que o início do processo de beatificação seja mais rápido que o tradicional. Em outubro
de 2003, beatificou Madre Teresa
de Calcutá em um dos processos
mais rápidos da história da Igreja
Católica. O processo de beatificação foi aberto dois anos depois da
morte da religiosa de origem albanesa, sem que o papa aguardasse
o período usual de cinco anos para considerar sua santidade.
Os simpatizantes de Madre Teresa pediram que o papa fizesse
uma exceção e acelerasse o processo -iniciado em 1999, três
anos antes do normal (ela morreu
em 1997).
A Igreja Católica levou em consideração a grande popularidade
da religiosa em várias partes do
mundo. Na Índia, não apenas católicos, mas hindus, muçulmanos, sikhs e budistas costumam
recorrer à religiosa, que recebeu o
Prêmio Nobel da Paz em 1979.
"Uma só mensagem"
Se a popularidade de Madre Teresa (além da relação pessoal dela
com o papa) influenciou a decisão
da igreja de apressar sua beatificação, no caso do papa, cujo carisma e capacidade comunicativa
eram notáveis, isso deve ser um
fator determinante.
"A mensagem do papa e da Madre Teresa, no fundo, é uma só",
na opinião do cardeal português
d. José Saraiva Martins, prefeito
da Congregação das Causas dos
Santos desde 1998.
Controvérsia
João Paulo 2º condenou as guerras (como a do Iraque), pediu perdão por erros cometidos pela
Igreja Católica no passado e buscou uma aproximação com adeptos de outras religiões e de outras
denominações cristãs.
A abertura do processo deve
provocar críticas não apenas mas
principalmente por causa da oposição do papa ao uso do preservativo -que teria vetado seu nome
ao Nobel da Paz em mais de uma
ocasião. Críticos protestam ainda
contra a punição de dissidentes, a
centralização excessiva e a recusa
em debater temas como a ordenação feminina e o celibato clerical.
Um processo de beatificação
pode durar décadas ou séculos.
No caso do padre Anchieta, o processo se iniciou em 1617. O Vaticano demorou 363 anos para declarar Anchieta beato, em 1980.
Os defensores da causa aguardam
a comprovação de um milagre para que ele venha a ser santo.
Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
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