São Paulo, domingo, 04 de abril de 2010

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OPINIÃO

Deveria haver uma inquisição para o papa?

MAUREEN DOWD
DO "NEW YORK TIMES"

NÃO PARECE correto que a Igreja Católica passe a Semana Santa praticando a nada santa arte da manipulação da informação.
A igreja iniciou uma blitz de relações públicas defendendo um papa que foi conivente com a cultura perversa de proteger abusadores e a reputação da igreja em vez de proteger crianças abusadas.
A Quinta-Feira Santa e a Sexta-Feira da Paixão viraram a quinta-feira do encobrimento e a sexta-feira de colocar a culpa nos outros.
Essa semana especial de confissões e penitências se desdobrou enquanto o papa resistia à pressão para que ele próprio se confessasse e se penitenciasse pela avalanche de casos de abuso sexual de menores que foram ignorados.
O Vaticano parece surpreso de se deparar com esse tipo de problema, mas seus funcionários poderiam facilmente saber o que acontecia. Cínico, o Vaticano simplesmente não quis lidar com a questão.
E agora a igreja continua a se esconder atrás de sua mística. Deixando o catecismo de lado, ela adotou o livro de bolso de Washington para reagir a pecados políticos.
Primeira regra: declare qualquer nova revelação velha e desimportante. Na missa do Domingo de Ramos, o arcebispo de Nova York, Timothy Dolan, reclamou que "o recente tsunami de manchetes sobre o abuso de menores por alguns poucos padres na Irlanda e na Alemanha, além de uma velha história de Wisconsin desencavada, nos colocou de joelhos outra vez".
Alguns padres? Hoje parece um batalhão internacional.
Uma velha história desencavada? Um único padre, Lawrence Murphy, que não mostrou nenhum remorso e não sofreu nenhuma punição do cardeal Ratzinger, abusou de 200 crianças surdas em Wisconsin.
O arcebispo Dolan comparou o papa a Jesus, dizendo que ele está "sofrendo as mesmas acusações injustas, gritos da multidão e cuspes na cruz".
Segunda regra: culpe outra pessoa -mesmo se for o popular antecessor do atual papa.
O cardeal de Viena, Christoph Schoenborn, defendeu o papa Bento 16 dizendo que a tentativa do então cardeal Ratzinger de investigar um ex-arcebispo de Viena por supostamente molestar jovens num monastério foi barrada por assessores do papa João Paulo 2º.
Terceira regra: diga uma coisa e faça outra. O arcebispo Dolan atacou os críticos da igreja, mas disse: "A igreja precisa de críticas, nós as queremos, elas são bem-vindas. Nós mesmos fazemos uma boa dose de críticas. Não esperamos nenhum tratamento especial". Certo...
Quarta regra: demonize os gays. Num anúncio no "New York Times", Bill Donohue, presidente da Liga Católica, ofereceu essa iluminação: "O "Times" continua a editorializar a "crise de pedofilia" quando ela não passa de uma crise de homossexualismo. Oitenta por cento das vítimas de abusos de padres são homens e a maioria passou da puberdade. Embora o homossexualismo não cause um comportamento predatório, e a maioria dos padres gays não sejam abusadores, a maioria dos abusadores é gay".
Donohue ainda fala sobre o problema como uma indiscrição, em vez de um crime. Se ele envolve majoritariamente homens e meninos, isso acontece em parte porque os padres por muito anos tiveram acesso irrestrito a esses meninos.
Quinta regra: ponha a culpa nas vítimas. "O padre Lawrence Murphy aparentemente começou seu comportamento predatório nos anos 50, mas as famílias das vítimas não avisaram a polícia até meados da década de 70", disse Donohue.
E finalmente, a sexta regra: use a defesa da onipotência de Cheney, notoriamente empregada no caso da revelação de que Valerie Plame era uma agente da CIA. O então vice-presidente Dick Cheney disse que seu alto cargo significava que o simples fato de que ele desfizesse um segredo, mesmo com intenções malignas, desclassificava esse segredo.
Os advogados do Vaticano argumentarão nos processos de negligência impetrados por vítimas de abuso que o papa, por ser chefe de Estado, tem imunidade, e que os bispos que permitiram que se criasse uma cultura de abusos não eram funcionários do Vaticano.
Talvez eles trabalhassem para a Enron.


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