São Paulo, terça-feira, 04 de maio de 2004

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AMÉRICA LATINA

Capital vai punir camelôs, flanelinhas e grafiteiros; para opositores da medida, ela criminaliza a pobreza

Cidade do México adota "tolerância zero"

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

A Cidade do México adotará em dois meses um dos mais duros regimes de "tolerância zero" em todo o mundo.
A nova lei prevê prisões e multas para guardadores de carros, para menores que limpam vidros de automóveis em semáforos, para pessoas que vendem serviços irregulares e para grafiteiros. Prostitutas e seus clientes também estarão sujeitos às regras.
A Comissão de Direitos Humanos do Distrito Federal, onde fica a Cidade do México, afirmou que a medida significará a "criminalização da pobreza" na cidade.
A lei foi aprovada na sexta-feira pela Assembléia Legislativa por 32 votos contra 25 e deu prazo de 60 dias para que as autoridades se preparassem para aplicá-la em toda a cidade, de cerca de 18 milhões de habitantes.
As novas regras foram discutidas e votadas por sugestão da consultoria Giuliani Group, do ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani (1994-2002), contratada há mais de um ano pelo megaempresário mexicano Carlos Slim para dar assessoria à administração local.
Giuliani foi o implementador de uma política bem-sucedida de redução de criminalidade em Nova York, conhecida como "tolerância zero" -o registro de violência caiu pela metade em seu primeiro mandato.
Slim, 64, por sua vez, é o homem mais rico da América Latina e dono da Telmex, que acaba de adquirir a brasileira Embratel.
O empresário é dono de dezenas de projetos imobiliários e de restaurantes na Cidade do México e está à frente de um enorme projeto de recuperação do centro velho da capital mexicana.
A nova lei dobrou para 43 o número de "faltas administrativas" que poderão ser objeto de punições das autoridades locais.
A Secretaria da Segurança Pública da capital será a responsável por reprimir comportamentos corriqueiros na cidade e que garantem a subsistência de milhares de pessoas.
As penalidades vão variar de multas de dez salários mínimos diários (o salário mínimo na Cidade do México é equivalente a R$ 11,6 por dia) à detenção por períodos entre seis e 36 horas, dependendo da infração.
Com base na nova lei, todos os infratores serão fichados. Em caso de reincidência, a punição automática será a detenção, em regime de incomunicabilidade, por um período mínimo de 36 horas.
As autoridades locais vêm sendo pressionadas nos últimos meses por setores empresariais para reprimir a criminalidade e o assédio constante de pedintes e vendedores na Cidade do México.
Nos semáforos da cidade, dezenas de jovens e crianças simplesmente saltam sobre os capôs dos veículos para limpar os pára-brisas em troca de alguns pesos.
Há flanelinhas por todos os cantos e dezenas de pessoas (os "coiotes") oferecendo serviços irregulares, de transportes ao preenchimento de formulários.
Outra ação também deverá "limpar" o centro histórico da cidade da ação de camelôs, que serão deslocados para algumas galerias subterrâneas, hoje abandonadas, a três metros abaixo do nível do solo.
Fernando Coronado, diretor-geral da Comissão de Direitos Humanos do Distrito Federal, disse à Folha que a nova lei "criminalizará condutas antes toleradas".
"A medida afetará pessoas que não produzem vítimas e não se encaixa em um regime democrático", disse Coronado. Ele estima em cerca de 15 mil o número de jovens de até 18 anos que atuam nas ruas da cidade.
Embora conte com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes equivalente a menos da metade da registrada em São Paulo, a Cidade do México é temida pela freqüência de assaltos e, principalmente, de seqüestros.
Aos turistas, por exemplo, há a recomendação de somente tomarem táxis em locais específicos, já que "motoristas piratas" em carros com as cores regulares recolhem passageiros pela cidade para roubos e seqüestros.
Apesar do rigor da nova lei, o policiamento na Cidade do México não é ostensivamente percebido, e a polícia é considerada corrupta e temida por muitos. O desrespeito às leis de trânsito é generalizado e o acúmulo de lixo é desconcertante.


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