São Paulo, terça-feira, 04 de maio de 2004

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TRAÇO FORTE

Pintor diz que não pode ignorar violência e abre mostra em Bogotá retratando o sangrento conflito

Botero pinta guerra civil colombiana

Museu Nacional da Colômbia/The New York Times
"A Procissão", tela de Botero de 2000, em mostra em Bogotá


JUAN FORERO
DO "NEW YORK TIMES", EM BOGOTÁ

O pintor Fernando Botero, um dos mais renomados artistas latino-americanos vivos, ganhou fama e fortuna internacionais captando as excentricidades da vida, retratando seus compatriotas colombianos, tanto trabalhadores quanto aristocratas, como figuras corpulentas e cômicas.
Hoje, porém, Botero, 72, está criando trabalhos que representam uma ruptura dramática com seu passado, se não em termos de estilo, pelo menos de conteúdo. São telas que retratam, em detalhes medonhos que visam exatamente assustar e entristecer, um conflito que é pouco compreendido fora da América Latina: a brutal guerra de guerrilha, alimentada pelo narcotráfico, que vem sendo travada na Colômbia há 40 anos e matou 200 mil.
"São trabalhos diferentes do que aquilo que fiz no passado, da Colômbia mais gentil que eu conhecia quando era menino", disse Botero, que vive em Paris e Nova York. "É uma Colômbia mais violenta, mais real. É um fato que não podemos ignorar."
Cinquenta pinturas e esboços criados desde 1999 foram expostos no ano passado e neste ano na Europa. Mas o plano de Botero sempre foi doar as obras ao Museu Nacional da Colômbia, "que é seu lugar". "Se impressionarem o público, terei realizado a missão de demonstrar o absurdo da violência."
A mostra ("Botero no Museu Nacional da Colômbia -A Doação de 2004") será aberta hoje em Bogotá e vai a pelo menos quatro outras cidades, incluindo Medellín, onde Botero nasceu.
Ele sempre evitou retratar o conflito abertamente. Pintando e esculpindo prolificamente desde a década de 1950, recriou a vida nos povoados e nas vielas da Colômbia. Seu estilo variou pouco. Como diz, seus temas sempre foram volumosos. Agora, quase como se estivesse compensando uma omissão, Botero diz que mergulhou de corpo e alma na criação de obras que mostram a violência da guerra: seqüestros, massacres, enterros, carros-bomba.
"Você lê sobre essas coisas, essa violência, e isso gera um impacto sobre você. E, como artista, quer refletir sobre isso."
A diretora do Museu Nacional, Elvira Cuervo de Jaramillo, disse que as telas devem chocar o público colombiano, acostumado às imagens mais plácidas de Botero. "O que ele transmite é uma dor imensa. Essas imagens não geram prazer nem sorrisos. Elas têm a intenção de nos comover. Elas nos assustam até a alma."
Botero, que vive fora da Colômbia há décadas, no passado costumava voltar com freqüência para visitas longas, mas o perigo de seqüestro o obrigou a restringir essas visitas. Mesmo assim, nunca perdeu de vista seu país e sempre pinta paisagens de aldeias colombianas.
"Sou o mais colombiano dos colombianos, embora viva fora da Colômbia há 47 anos. Morei em Nova York por 13 anos e nunca fiz um quadro sobre Nova York. Vivo na França há mais de 30 anos e nunca pintei Paris." Diz que ainda sonha em voltar à Colômbia, reabrir seu estúdio e voltar a trabalhar aqui. "Amo meu país, e me dói não poder vê-lo, como fiz por tantos anos", disse ele. "Torço para que algum dia eu possa voltar a viver numa Colômbia que esteja em paz."


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