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RELIGIÃO
Estudo sobre uso de preservativos em casos específicos indica mudança histórica em tema que sempre foi tabu para a igreja
Camisinha revoluciona política do Vaticano
PETER POPHAM
DO "INDEPENDENT", EM ROMA
A Igreja Católica está à beira de
uma mudança histórica em sua
abordagem quanto ao uso da camisinha, que pode levar esperança a milhões de pessoas na África
e em outras regiões subdesenvolvidas devastadas pela Aids.
"Estamos conduzindo um estudo científico, técnico e moral
muito profundo", anunciou o
presidente do Pontifício Conselho
para a Pastoral da Saúde, no Vaticano, cardeal Javier Lozano Barragán. Espera-se que a igreja venha a oferecer sua benção, ainda
que restrita e provisória, ao uso de
camisinhas por casais casados
nos quais um dos cônjuges sofra
de Aids, como forma de proteger
a saúde do segundo cônjuge. Trata-se apenas de uma concessão
técnica, baseada em dois princípios antigos, mas, diante do panorama de sólida recusa das autoridades eclesiásticas quanto a mudanças nas normas da instituição
sobre o uso de anticoncepcionais,
a mudança pode ser considerada
revolucionária.
Em um momento no qual mais
de 40 milhões de pessoas estão infectadas com o HIV e que 13 mil
novos casos surgem a cada dia no
mundo, o Vaticano tem sido acusado de contribuir para o avanço
da epidemia em função de sua
proibição ao uso de profiláticos.
De acordo com fontes próximas
ao Vaticano, um documento definindo a nova posição da igreja já
foi aprovado pela pastoral da saúde. Agora, o texto terá de passar
por revisão da Congregação para
a Doutrina da Fé, e por fim receber a aprovação do Papa Bento 16.
Não se pode dar a mudança de
doutrina como certa antes que o
papa a assine. Mas o fato de a proposta ter avançado até o ponto
atual, com o endosso de meia dúzia de cardeais influentes, é visto
como indicação de que a reforma
está quase garantida.
Desde a encíclica "Humanae Vitae", do papa Paulo 6º, em 1968, a
contracepção se tornou um dos
tabus da igreja. Mas, em 1968, a
pandemia da Aids não existia. As
normas da igreja quanto às camisinhas continuaram a ser de rígida rejeição, já há mais de uma geração, enquanto um desastre que
poderia ter sido mitigado, acusam
críticos, pela aprovação ao uso de
camisinhas, se espalhava sem
controle.
A mudança de abordagem foi
mencionada no ano passado pelo
cardeal Carlo Maria Martini, arcebispo aposentado de Milão, o favorito de muitos católicos liberais
para suceder João Paulo 2º. Martini, 79, é considerado figura dominante no Colégio de Cardeais.
Em uma troca de opiniões com
um cirurgião publicada pela revista italiana "L'Espresso", Martini afirmou que "certamente o uso
de profiláticos pode, em determinadas situações, constituir um
mal menor. Existe o caso específicos de casais nos quais um dos
cônjuges está sob efeito da Aids. A
obrigação deste cônjuge é de proteger a outra pessoa, e um casal
como esse deveria ser autorizado
a se proteger".
Martini estava se referindo à legitimidade da autodefesa: se a sobrevivência de uma mulher estiver sob ameaça devido aos avanços sexuais de seu marido, ela estaria justificada a se defender persuadindo o homem a usar camisinha -mesmo que o resultado venha a representar um empecilho à
concepção de um possível bebê.
Em 2004, o cardeal Lozano Barragán, do Conselho de Saúde, defendeu a mesma posição. Ele declarou que "se um marido infectado deseja fazer sexo com sua mulher que não foi infectada, ela deve
se defender de qualquer maneira
possível". O cardeal prosseguiu,
alegando que essa posição é consistente com a teologia católica,
pela qual as ações de autodefesa
podem se estender até a matar alguém para evitar a própria morte.
Nem Martini nem Barragan
chegaram a advogar o uso de camisinhas -a política "pró-vida",
do Vaticano, segundo a qual o
propósito do sexo é a procriação,
continua sacrossanta. Mas a Igreja tem uma longa e nobre tradição
de respeito às nuances morais.
O Papa Bento 16, que acaba de
completar um ano de seu pontificado, não costuma ser visto como
reformista. Por décadas, ele era
visto como o "defensor da fé", na
interpretação linha dura adotada
por seu predecessor. Mas alguns
observadores do Vaticano acreditam que o principal obstáculo a
uma mudança fosse João Paulo
2º. Agora, muitos deles acreditam
que Bento 16, um purista em
questões de doutrina, esteja bem
posicionado para levar a posição
da igreja a um pequeno avanço na
direção de práticas já adotadas
pelos fiéis. E também fornecer algum apoio, ainda que tardio, aos
profissionais católicos de saúde
nas regiões em que a Aids se espalha descontroladamente.
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