São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2008

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Colômbia mimetizou missões de Chávez

Helicóptero de "entidade humanitária" tinha "jornalistas" inspirados na Telesur

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

O relato oficial cinematográfico da exitosa operação que terminou com a libertação de Ingrid Betancourt deixa de fora detalhes que revelam que o governo colombiano se inspirou diretamente nas missões do venezuelano Hugo Chávez para libertar reféns das Farc, em janeiro e fevereiro neste ano.
De acordo com a edição de hoje do jornal "The New York Times", os militares da Colômbia estudaram cuidadosamente os vídeos das entregas de reféns a emissários de Chávez, na selva do país, e mimetizaram essas ações em vários aspectos. Usaram um helicóptero com as mesmas cores da Cruz Vermelha, que colaborou com as operações chavistas, e incluíram na sua tripulação dois agentes disfarçados de cinegrafista e repórter de TV, uma referência às equipes da Telesur.
A emissora chavista fez imagens exclusivas das entregas das seqüestradas e Clara Rojas e Consuelo González, em janeiro, e de quatro ex-parlamentares colombianos, em fevereiro.
Além disso, o relato da operação feito em formato "power point" pelo Exército colombiano deixa claro que as missões humanitárias de Chávez complementaram o minucioso trabalho de inteligência da operação.
Ajudaram a fechar o cerco em torno da área informações de mulheres das Farc, presas em dezembrono final do ano passado quando levavam provas de vida dos seqüestrados a emissários de Chávez.

Emissários
Para analistas ouvidos pela Folha, o governo também pode ter usado como "isca" o anúncio feito na terça-feira, véspera do resgate, de que autorizara o contato de um mediador francês e um suíço com o secretariado das Farc.
A notícia, publicada na imprensa colombiana e francesa, foi vista com otimismo, já que as negociações para troca de reféns estavam paradas desde a morte de Raúl Reyes, número dois das Farc, em março.
A agência de notícias Anncol, que faz as vezes de porta-voz das Farc, questionou o papel dos "países amigos" na Operação Xeque: "Antes dos fatos, os meios repetiram com insistência a visita de dois funcionários europeus ao chefe máximo das Farc. Esses amigos da Colômbia não precisaram se era verdade ou blefe".
O analista colombiano Camilo González, da ONG Indepaz, especula: as menções aos mediadores pelo menos ajudaram a criar um clima verossímil de que o secretariado poderia ordenar o deslocamento dos reféns, juntos. "Estou certo de que as notícias em primeira página que saíram sobre os mediadores fizeram parte da operação de inteligência. Mas falar disso traz complicações diplomáticas. Vai haver mais silêncio do que informações", diz ele, que crê que nem França nem Suíça sabiam do plano.
Com ele concorda Ariel Ávila, da Fundação Novo Arco-Íris, que também segue o tema na Colômbia. Apesar da notória debilidade de comunicação entre comandantes das Farc, "a versão oficial lhes mostra demasiado ingênuos", diz Ávila.

Comunicação
A versão do governo é que Gerardo Aguilar, o "César", foi enganado por falsas mensagens que pensava ser do secretariado da guerrilha. De acordo com um general colombiano ouvido pela Associated Press, um agente duplo, que mudou de lado porque as Farc lhe haviam tomado uma casa e uma fazenda, convenceu César.
O agente duplo estaria no helicóptero do resgate ao lado de César e seu auxiliar Gafas, que estão presos. As unidades das Farc estão separadas na selva -por conta da grande ofensiva militar- e há um intenso monitoramento de telefonemas por satélite e câmeras de vigilância instaladas em rios, principal meio de transporte (sistemas fornecidos pelos EUA). A situação fez o grupo guerrilheiro priorizar a comunicação por mensageiros humanos.
Anteontem, na TV, o presidente colombiano, Álvaro Uribe, insistia para que todos dissessem que o helicóptero usado na ação não tinha logotipo de nenhuma organização. O governo diz que eles pensavam que os aparelhos, pintados de branco e vermelho, era de um grupo "humanitário fictício".
"Para mim, eles usaram o nome da Cruz Vermelha", diz Camilo González.

Pagamentos
Para o analista Cesar Restrepo, da Fundação Segurança e Democracia, a operação do governo colombiano funcionou pela combinação de duas estratégias: a infiltração de seus agentes e a "compra" de informantes. "Isso se deu porque ganhar dinheiro fácil se tornou mais importante do que a vontade guerrilheira. O governo foi inteligente em se aproveitar dessa situação", diz Restrepo.
Para Pedro Medellín, professor da Universidade Nacional da Colômbia, a política de recompensas aliada ao um "momento de cansaço" das Farc permitiram o sucesso. "Pela morte de Ivan Ríos, o governo pagou US$ 2 milhões para o assassino. Por esse resgate, também deve ter pagado uma quantia, junto com a promessa de não extraditar traidores."


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