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ANÁLISE
Comparação com transições dos anos 90 é falaciosa
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
É imperfeita, no mínimo, a
comparação feita à Folha pelo
presidente da Costa Rica, Óscar Arias, entre processos de
pacificação e/ou democratização na América Latina no final
dos anos 80 e início dos 90 e o
debate atual sobre o reconhecimento ou não de um futuro governo hondurenho, caso não
haja acordo até as eleições para
a volta do presidente deposto.
A frase de Arias para defender que não se boicote o governo eleito -"Foi com Pinochet
que se realizaram eleições e foi
com regimes de força na América Central que houve eleições"- não corresponde de fato ao que houve naquela época.
Em nenhum dos exemplos
um "regime tirânico" convocou
votação, ditando regras, e seu
resultado foi considerado legítimo não apenas por outros
países, mas principalmente por
todas ou a maioria das correntes políticas domésticas.
Ao contrário. Se for possível,
no futuro, traçar paralelo com
o caso hondurenho, ele virá do
fato de que as eleições que fizeram parte da pacificação da
América Central e da democratização do Chile resultaram de
acordos entre forças internas,
com concessões mútuas e sob
pressão ou mediação externa.
Em segundo lugar, o contexto é diferente, já que os regimes
citados por Arias vieram de
conflitos inscritos na lógica da
Guerra Fria. O que estava em
questão na época era a superação das marcas desse período.
A ideia de que eleições livres
e limpas devem ser referência
para reconhecimento de governos só foi sacramentada neste
hemisfério em 2001, com a
Carta Democrática da Organização dos Estados Americanos.
Finalmente, há diferenças
entre os processos citados de
paz, mesmo dentro da própria
América Central, que tornam
generalizações arriscadas.
Em El Salvador, um governo
eleito em pleito contestado e
apoiado pelos militares assinou acordo mediado pela ONU
que, em 1992, determinou a
reintegração dos ex-rebeldes,
expurgos nas Forças Armadas
e uma Comissão Verdade. As
primeiras eleições pós-conflito
ocorreram em 1994.
Na Guatemala, o acordo entre governo e guerrilheiros só
veio em 1996, também com
mediação da ONU e Comissão
Verdade. Nos quase 40 anos de
guerra civil, o país teve governos eleitos em votações irregulares e ditaduras militares. Nenhum teve problema duradouro de reconhecimento formal.
Na Nicarágua, eleições realizadas pelos sandinistas em
1984 foram reconhecidas por
observadores internacionais,
mas não pelos EUA nem pela
oposição conservadora, que
boicotou o pleito. Acordo entre
o governo e os contra, em 1987,
levou à formação da União Nacional Opositora, vitoriosa nas
eleições de 1990.
O caso chileno foi o único em
que eleições foram divisor de
águas nas transições citadas
por Arias. Elas ocorreram depois de pressão dos EUA para
que o general Augusto Pinochet realizasse, em 1988, referendo sobre seu mandato previsto na Carta outorgada por
ele, e no qual foi derrotado.
O pleito de 1989 foi precedido de acordo político: Pinochet
reteve parte do poder, mas os
exilados voltaram e houve reformas constitucionais, incluindo o fim do banimento de
partidos marxistas.
Como mediador da crise
hondurenha, Arias trouxe à luz
um debate que é intenso nos
bastidores. Mas argumentos
mais convincentes devem partir do contexto de hoje e do caso específico de Honduras.
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