São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2010

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CLÓVIS ROSSI

Capitalismo chinês é selvagem


Surgem os primeiros sinais de mal-estar na América Latina pela agressividade do modelo capitalista chinês


COMEÇAM A SURGIR os primeiros embaraços no brilho do planeta China, pelo menos na América Latina. O capitalismo social de mercado, rótulo oficial para o modelo chinês de partido único com economia de mercado, está se revelando tão selvagem quanto o velho e ruim capitalismo selvagem.
A mais recente queixa vem do Peru, em reportagem publicada ontem pelo jornal espanhol "El País". Relata a frustração dos habitantes da remota San Juan de Marco, situada no deserto de Ica, ao sul de Lima.
Há 18 anos, em pleno governo de Alberto Fujimori, a Shougang Corporation chinesa comprou a estatal Hierro Peru, em um dos primeiros movimentos da China para garantir o suprimento de matérias-primas para o seu pantagruélico apetite econômico.
Parecia o advento do paraíso para a pobre localidade mineira peruana. Relata "El País" que "o entusiasmo durou pouco e atualmente Marcona é uma zona de tensão e conflito permanentes".
Para começar, a empresa chinesa adotou o velho modelo capitalista de decapitação em massa de trabalhadores: reduziu à metade o número de empregados na mina. Depois, descumpriu compromisso de investimento de US$ 150 milhões para melhorar não só a infraestrutura da mina em si mas da localidade em que vivem os empregados.
Como se fosse pouco, o sindicato de trabalhadores denuncia o despejo no mar de resíduos tóxicos.
Tudo somado, só neste ano, a mina já esteve paralisada por 42 dias por conta de greves.
Antes do caso peruano, o presidente do Equador, Rafael Correa, que não é exatamente um entusiasta do capitalismo, denunciou o governo chinês por se comportar "pior que uma corporação imperialista".
Tudo pela maneira como a China agiu em negociação para o financiamento de uma hidrelétrica em território equatoriano.
"Não vamos esquecer", prometeu Correa, que adicionou insulto à crítica, ao mencionar Taiwan -arqui-inimiga da China- como eventual alternativa de financiamento.
Os equatorianos também tiveram problemas com a aquisição pela China de ativos da EnCana, em 2005. A comunidade reclamou da deficiente atenção dos novos proprietários às questões sociais e trabalhistas -a mesma queixa ouvida no caso da peruana Marcona.
É claro que esses incidentes ainda são isolados e, por isso, insuficientes para romper o encantamento derivado do impulso que a China fornece às economias não só da América Latina como do mundo.
De todo modo, Jeremy M. Martin, diretor do Programa de Energia do Instituto das Américas da Universidade da Califórnia em San Diego, comenta: "Permanece uma significativa brecha cultural entre a região e China, exacerbada pela percepção de que as intenções chinesas são apenas a de um voraz consumidor de recursos naturais e não de um verdadeiro parceiro".
A América Latina conhece bem apetites vorazes por seus recursos naturais, desde a colonização espanhola e portuguesa, o que significa que quanto mais voracidade a China demonstrar, mais se acentuará a sensibilidade política na região.


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