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ARTIGOS
Bush venceu. E agora?
LUIS BITENCOURT
ESPECIAL PARA A FOLHA
Por trás dos olhos avermelhados pela ressaca política, os republicanos não escondem, hoje,
uma enorme sensação de alívio.
Depois de momentos de inegável
tensão, podem, finalmente, festejar a vitória do presidente George
W. Bush sobre o senador John
Kerry. Desta vez, diferentemente
do que aconteceu há quatro anos,
podem festejar sem culpa, porque
a vitória foi indiscutível.
Bush ganhou, primeiro, em virtude da eficiência da máquina de
marketing republicana. Com habilidade e cinismo, essa máquina
soube desviar as atenções dos
eleitores das desastrosas notícias
vindas do Iraque e do sofrível desempenho da economia americana. No fim das contas, temas de
natureza moral, como direito ao
aborto e casamento de gays, acabaram deixando Kerry atolado
em meio a explicações nem sempre objetivas. Assim, muitos dos
eleitores acabaram decidindo não
entre Bush e Kerry. Acabaram decidindo entre Bush e não-Bush.
Na guerra pelos Estados, Bush
teve alguma dose de sorte, por assim dizer. Foi bafejado por dois
furacões que castigaram a Flórida.
O socorro e a assistência financeira, devidamente coordenados pelo mano governador Jeb Bush,
chegaram rapidamente. Os moradores da Flórida, por sua vez, souberam retribuir com gratidão e
votos toda a atenção que receberam naqueles difíceis momentos.
Com isso, o fiasco das eleições de
2000 não se repetiu, e os republicanos ganharam os votos eleitorais da Flórida com alguma folga.
O fato é que ganhou Bush tanto
no Colégio Eleitoral quanto no
voto popular. Ademais, os republicanos fortaleceram sua maioria
tanto na Câmara quanto no Senado. Há mais legitimidade do que
isso? O presidente Bush não poderá queixar-se de falta de poder
político nos anos que se seguirão.
Bush sabe que precisará desse
poder para liderar o que é hoje
um país profundamente dividido.
A sua tarefa mais urgente deverá ser no sentido de recriar algum
senso de unidade entre os cidadãos americanos. A seqüelas deixadas pelas eleições passadas foram vencidas só incidentalmente
pela reação aos atentados terroristas de 11 de Setembro. Mas essa
união momentânea acabou sendo, outra vez, corroída pela Guerra do Iraque, pela imagem arrogante do presidente e por essa
campanha política. É agora que as
mentiras, as distorções e a intensa
propaganda negativa que proliferaram durante a campanha cobrarão seu preço. Recriar a unidade não será tarefa fácil, portanto.
O seu segundo esforço deverá
ou, pelo menos, deveria ser no
sentido de recuperar algum terreno na relação com as esquecidas
alianças européias e de suturar as
feridas deixadas na ONU.
Nessa linha, segue-se o enfrentamento do pesadelo iraquiano. O
esforço de reconstruir o Iraque e
colocar o país sob a direção de iraquianos, escolhidos em um processo eletivo, é tão importante
quanto difícil, no estado de insegurança reinante. A ONU é indispensável para as duas circunstâncias. Mas que não se lhe cobre,
agora, responsabilidade e legitimidade por algo que foi negado
na origem do problema, ou seja
na decisão unilateral de iniciar-se
a guerra.
Bush terá também que envolver-se rapidamente com outra
questão antipática mas inevitável,
cujo encaminhamento depende
do envolvimento americano: a
quase permanente crise israelo-palestina. Ele terá que revisar e reposicionar sua, até agora, clara
parcialidade perante o problema.
Que fim levou o "roadmap"
anunciado com pompa e circunstância há poucos anos?
Na esfera doméstica, o governo
Bush precisará reativar a economia americana diante de um contexto internacional desafiador caracterizado por pressões crescentes no comércio internacional e
por altos preços do petróleo. Embora Bush venha mencionando
resultados positivos na geração de
emprego, estes referem-se apenas
aos últimos três meses. Não houve ainda recuperação significativa
do nível de emprego capaz de
equilibrar as perdas acumuladas
nos últimos dois anos. Os americanos estão exigindo mais do que
cortes de impostos para os mais
ricos. Por exemplo, fórmulas de
aquecimento da economia.
É apenas nesse quadro do comércio internacional que inserem-se, em alguma medida, a
América Latina e o Brasil. O comércio internacional e as perspectivas, hoje absolutamente nebulosas, da Alca (Área de Livre
Comércio das Américas) são os
escassos pontos de contato mais
evidentes entre a região e os EUA.
Nesse aspecto pelo menos, a vitória de Bush tem algo de positivo, em comparação com uma
possível vitória de Kerry: a manutenção da equipe negociadora.
Com isso, pelo menos no nível
operacional, não deverá haver interrupção nas negociações. Particularmente, os negociadores
atuais conhecem e respeitam a
equipe e as posições brasileiras,
não raro conflitantes, nos vários
fora de negociação de que o Brasil
participa. A empatia já existente
pode ser positiva.
Finalmente, os latino-americanos perceberam que a América
Latina não foi sequer mencionada
durante esta campanha presidencial nos EUA. Num quadro realista, é fundamental reconhecermos
que os americanos podem dar-se
ao luxo de prestar pouca atenção
ao restante do hemisfério. A recíproca, no entanto, não é verdadeira, e cabe-nos encontrar fórmulas
para empurrar informação e promover os interesses latino-americanos no cotidiano dos norte-americanos.
Luis Bitencourt é cientista político e dirige o programa sobre o Brasil do Centro
Woodrow Wilson para Acadêmicos Internacionais, em Washington (EUA)
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