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[+] USA
>> Por Kathleen Parker
Bifurcação
NÃO SERIA exagero dizer que os americanos estão com os nervos à flor da pele. Esta temporada eleitoral interminável
cobrou seu preço de amizades, casamentos e relações
com colegas de trabalho. Nossos nervos estão no limite.
Está. Quase. No. Fim. Um
novo presidente será eleito,
finalmente, e ... bom, e aí?
Por mais que nós, americanos, gostemos de reclamar da
política, também gostamos
das discussões, das brigas internas, dos bate-bocas com os
adversários externos, do debate belo e hediondo sobre o
papel que o governo deve
exercer em nossas vidas.
É tudo uma grande confusão, mas é nossa confusão.
Mesmo assim, esta era particular na história americana
testou para valer nosso bom
humor habitual. Desde o 11 de
Setembro nosso país vive em
estados alternados de choque,
negação, histeria e mal-estar.
A Guerra do Iraque nos dividiu, colocando vizinho contra
vizinho. A crise econômica levou os americanos de classe
média a voltar-se contra
aqueles cuja cobiça nos levou
à beira do colapso.
Raiva e ansiedade são as
emoções que nos dominam.
Como todo o mundo já observou, ou vamos eleger o primeiro presidente afro-descendente, ou a primeira vice-presidente mulher. Bravo.
Mas os desafios que este
presidente vai enfrentar acabarão logo com nossos aplausos autocongratulatórios. A
Guerra no Iraque pode mudar
de rumo, dependendo de
quem vencer a eleição. A
ameaça do terrorismo persiste. A maioria dos americanos
compreende, em algum nível,
que em algum momento nos
próximos anos seremos obrigados a defender nosso país.
O fato de estarmos aguardando a próxima catástrofe
-uma bomba escondida numa mala ou uma explosão no
sistema de transporte de massas- faz a Guerra Fria parecer algo de um passado até pitoresco. Naquela época, pelo
menos, sabíamos quem era o
inimigo; sabíamos que ele era
suficientemente lúcido para
não querer morrer conosco.
Nosso novo inimigo não se
importa com isso.
Esta eleição também tem o
potencial de assinalar uma
mudança de gerações. A chapa
McCain-Palin representa não
apenas o velho, mas o tradicional. Personifica a memória
institucional da América.
Obama representa o novo, o
progressista, o que ainda não
foi testado. Mas ele ingressa
na luta com uma legião de jovens cheios de esperança e sedentos por mudanças. Os jovens sempre são assim.
Finalmente, esta eleição
opôs o chamado "americano
comum" (Joe, o encanador, ou
Joe Six-Pack, aquele que compra um engradado de seis cervejas) às elites, vistas como tal.
McCain e Palin alimentaram
esse fogo com ferocidade indecorosa, cavando fissuras
profundas num momento em
que não podemos nos dar ao
luxo de ter nenhuma.
Assim, o desafio maior do
próximo presidente será lançar uma ponte sobre o abismo
que nos separa e tentar alisar
o gramado do campo comum
onde jogamos. Nada fácil.
Se Obama perder a eleição,
os afro-descendentes provavelmente sentirão que ficaram de escanteio. De novo.
McCain terá dificuldade em
convencê-los de que não é o
caso, graças à eficácia de Palin
em levantar suspeitas de que
Obama não é exatamente um
de nós. Talvez o discurso de
"eles e nós" não tivesse a intenção de alimentar o mal-estar racial, mas foi apreendido
assim. Se McCain vencer, os
efeitos sobre a harmonia racial serão sentidos por muito,
muito tempo.
O que virá a seguir, então?
Esperança e mudança, a julgar
pelas pesquisas.
A esperança pode ser uma
curva que não permite divisar
o que vem a seguir, e a mudança pode não passar de uma
promessa vazia, na qual só os
inexperientes acreditam, mas
elas não podem nos prejudicar, neste momento em que os
americanos tentam lembrar
quem são. Para melhor ou para pior, estamos nisto juntos.
E as coisas vão se agravar.
Precisamos de uma mão
calma e firme no leme.
Tradução de CLARA ALLAIN
KATHLEEN PARKER é colunista do "Washington Post" e comentarista da NBC; ela escreveu
esta coluna para a Folha
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