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GUERRA SEM LIMITES
Possível ajuda dos governos do continente amplia mal-estar com caso das transferências de suspeitos de terror
Escândalo dos vôos da CIA revolta europeus
DO "NEW YORK TIMES"
Não é apenas cólera o sentimento que cresce na Europa em
torno das possíveis prisões americanas secretas no continente, seqüestros de suspeitos de terrorismo e transferências de prisioneiros realizadas em aviões da CIA.
Também existe um clima crescente de constrangimento, na medida em que aumenta a suspeita
de que os EUA tenham operado
com o conhecimento ou consentimento de governos locais.
"Alguém estava sabendo de tudo isso", disse Daria Pesce, advogado de um ex-chefe da CIA em
Milão, um dos 22 americanos formalmente acusados do seqüestro
de um suposto terrorista islâmico
que foi levado da Itália para o Egito em 2003. "Não é possível que
um americano entre na Itália e seqüestre uma pessoa. Isso parece
realmente improvável."
Nas últimas semanas, uma gama de alegações confusas e explosivas vem assumindo o contorno
de fatos na consciência da Europa, todas apontando para a preocupação de que os europeus, em
grande medida céticos em relação
ao esforço dos EUA para prevenir
o terrorismo, possam ter se envolvido mais do que imaginavam no
projeto, e de várias maneiras.
O furor imediato foi desencadeado por um relatório segundo o
qual, desde o 11 de Setembro, a
CIA teria criado um sistema de
prisões secretas em oito países, incluindo vários na Europa do leste.
Desde então surgiram relatos segundo os quais aviões da CIA teriam feito escalas em vários países
europeus. Os vôos levantaram a
desconfiança de que esses aviões
pudessem ter transportado suspeitos para prisões americanas secretas, embora os vôos não provem que tais transferências tenham de fato ocorrido.
Entretanto os temores não se limitam à existência de prisões secretas. A maior pergunta que está
no ar diz respeito às chamadas
transferências extraordinárias,
nas quais suspeitos de terrorismo
capturados no exterior são enviados pelos EUA a seus países de
origem ou a terceiros países, alguns dos quais possuem histórico
de tortura de prisioneiros.
As operações são por sua própria natureza sigilosas, de modo
que vem sendo difícil distinguir
os fatos das especulações que os
cercam. Mas as perguntas vêm
sendo movidas por algumas evidências concretas: centenas de
vôos registrados de aviões da CIA
e pelo menos um seqüestro, o que
ocorreu na Itália e que foi documentado com detalhes por promotores. Tudo indica que essa
questão dominará a visita da secretária de Estado americana,
Condoleezza Rice, à Europa na
próxima semana.
Somando-se ao coro de pedidos
de informação vindos de outros
países europeus, o chanceler britânico, Jack Straw, enviou uma
carta a Rice pedindo esclarecimentos. Escrevendo em nome da
União Européia, ele fez perguntas
específicas sobre as prisões secretas e sobre os vôos da CIA.
O Departamento de Estado
anunciou que vai cooperar com
os pedidos de esclarecimentos e
afirmou ter agido dentro dos limites das leis internacionais.
A questão é carregada de emoção, em vista do alto nível de indignação na Europa diante de relatos de torturas praticadas por
interrogadores americanos sobre
prisioneiros no Iraque, em Guantánamo e outros locais. A questão
é de suma importância para muitos governos europeus que enfrentam o questionamento intenso de políticos de oposição e grupos de direitos humanos sobre até
que ponto tinham conhecimento
das ações dos EUA.
"Precisamos de transparência
total por parte de nosso governo",
disse à rádio BBC na quarta-feira
o porta-voz de assuntos externos
do Partido Liberal Democrata,
Menzies Campbell. "Se é fato que
pessoas estão sendo transferidas
de uma jurisdição em que a tortura é ilegal para outra em que a tortura é permitida, isso me parece
ser totalmente contrário às leis internacionais. Se estamos permitindo que aviões realizem essas
transferências, estamos no mínimo facilitando-as e podemos até
mesmo estar sendo cúmplices."
Um artigo de 2 de novembro no
"Washington Post" sobre um sistema de prisões secretas não identificou os países europeus envolvidos, mas a organização Human
Rights Watch declarou que seriam Polônia e Romênia.
Os dois países rejeitaram terminantemente as acusações, e autoridades americanas se negaram a
comentar o assunto.
Sobre a questão das transferências extraordinárias, suspeita-se
que mais de cem prisioneiros tenham sido transferidos dessa maneira desde setembro de 2001. A
transferência de maior destaque
da qual se suspeita teria acontecido na Itália. Em 17 de fevereiro de
2003 o suposto terrorista islâmico
Hassan Mustafa Osama Nasr desapareceu em Milão e reapareceu
mais tarde no Egito, onde afirmou ter sido torturado.
No único caso desse tipo que já
entrou para o sistema legal, promotores italianos acusaram 22
agentes americanos do seqüestro.
Embora o governo italiano negue
ter tido qualquer conhecimento
da operação, também vem se negando, até agora, a pedir que os
EUA extraditem os suspeitos, fato
que levanta a desconfiança, na
Itália, de que o governo ou sabia
da operação ou a teria aprovado.
"Não vejo por que eles não teriam feito um acordo com nossos
serviços secretos para uma ação
desse tipo", comentou Giuseppe
Cucchi, general três estrelas da reserva, representante militar na
Otan e conselheiro da oposição de
centro-esquerda italiana. "A condição que muitas vezes é imposta
a uma ação desse tipo é que, "se alguma notícia vazar, vamos declarar que não sabíamos de nada"." A
imprensa de vários países da Europa vem publicando relatos sobre aviões da CIA fazendo escalas
no continente. Uma análise feita
para o "New York Times" de 26
aviões operados por empresas ligadas à CIA aponta para 307 vôos
na Europa desde setembro de
2001. As informações foram colhidas da Administração Federal
de Aviação, da indústria da aviação e de uma rede de observadores de aviões que ajuda ONGs de
direitos humanos.
A análise constatou que houve
94 vôos na Alemanha, a maior
parte deles dentro da Europa (foi
aberto um inquérito na Alemanha para apurar se Omar, o suspeito preso na Itália, foi transferido por um avião que decolou de
uma base aérea americana em território alemão). Em seguida vêm
o Reino Unido, com 76 vôos, a Irlanda, com 33, Portugal, com 16, e
Espanha e República Tcheca, com
15 vôos cada. Mais de meia dúzia
de investigações está sendo conduzida para apurar vôos em vários países, além de um inquérito
do Conselho da Europa que também abrange a questão das prisões secretas no Leste Europeu.
Um representante do conselho
disse na quarta-feira que o organismo está analisando vôos de
quase 40 aviões que seriam operados pela CIA, mas ele disse acreditar que o número de prisioneiros
a bordo desses aviões provavelmente fosse pequeno.
Tradução de Clara Allain
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