São Paulo, terça-feira, 04 de dezembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Popularidade e prazo de validade

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O plebiscito de domingo na Venezuela parece demonstrar que popularidade é como desodorante: tem prazo de validade. Esgotado o prazo, cheira mal.
Vale para a Venezuela, vale para o Brasil, dada a simetria entre os amigos-rivais Hugo Chávez e Luiz Inácio Lula da Silva: Chávez mantém elevada popularidade, mas a tentativa de manter-se indefinidamente no poder foi derrotada -resultado improvável nas circunstâncias em que se votou.
Lula também tem bom índice de popularidade, mas dois de cada três eleitores, conforme o Datafolha publicado domingo, preferem que ele fique dentro do prazo de validade constitucional, no caso 2010.
Bem feitas as contas, o resultado do plebiscito de ontem é um dos poucos em que a votação não se deu com o bolso. Fosse pelo bolso, Chávez teria conseguido fazer passar a sua Constituição. A Venezuela cresceu à média de 9,5% ao ano nos três anos mais recentes, índice mais que asiático.
Desempenho ainda mais impressionante quando se considera que, nos anos 80 e 90, o país havia sido o de maior retrocesso na América Latina, com uma queda na altura de 40%. Nesse período, governaram os que hoje estão na oposição e pediram o voto "não".
Mais: desde que Hugo Chávez chegou ao poder, em 1999, a pobreza reduziu-se de 42,8% para 33,9% no ano passado.
Perder nessas circunstâncias é um desastre formidável, para qualquer governante. Muito mais ainda para um líder com nítidas tendências messiânicas e megalomaníacas.
Considerado o desempenho econômico e social da gestão Chávez, só se pode atribuir a sua derrota ao apreço pela democracia de parte do eleitorado venezuelano.
Não por acaso os venezuelanos ficaram em terceiro lugar, empatados com os bolivianos, no mais recente "Latinobarómetro", o melhor metro para medir os humores dos latino-americanos.
Sessenta e sete por cento deles acreditam que "a democracia é preferível a qualquer outro tipo de governo". À frente da Venezuela, apenas Costa Rica e Uruguai. No Brasil, só 43% cravam idêntica resposta.
Chávez tentou argumentar -exatamente como o fez seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva- que o espanhol Felipe González ficou 14 anos no poder e, Tony Blair, dez, "sem que ninguém os chamasse de ditadores. Por que eu não posso fazê-lo? Porque aqui somos negros ou índios?".
O eleitorado venezuelano não comprou a tese, aliás falaciosa, na medida em que Blair e González governaram no parlamentarismo, com sistemas de controle diferentes do presidencialismo -e diferentes da situação venezuelana, em que Chávez assumiu poderes sem os contrapesos normais mesmo no presidencialismo.
Que o resultado foi determinado por esse excesso de poder fica fácil de deduzir a partir dos novos atores no campo oposicionista. Primeiro, o partido "Podemos", que era chavista até recusar-se a se dissolver no Partido Socialista Unido da Venezuela, que Chávez criou.
Depois, os estudantes, que se transformaram nos principais agentes oposicionistas, movidos a tal exatamente pelo excesso de poderes em mãos do presidente. Por fim, um general, Raúl Baduel, que foi essencial para reverter o golpe de 2002 contra Chávez, levado a cabo pela direita retrógrada.
Voltando à simetria Lula/ Chávez, o resultado na Venezuela tende a representar o último prego no caixão do terceiro mandato para Lula, se é que os lulistas interessados nele prestam atenção aos fatos, o que é discutível.


Texto Anterior: Entrevista: Oposição mudou tática "estúpida"
Próximo Texto: EUA vêem "bom sinal" em vitória do "não"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.