São Paulo, sábado, 05 de janeiro de 2008

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Cansaço detém protesto no Quênia

Repressão e escassez de alimentos que começa a atingir população esvaziam movimento opositor

Governo dá primeiro sinal de recuo e diz que aceitará o que a Justiça decidir sobre a votação contestada que reelegeu presidente

Riccardo Gangale/Associated Press
Deslocados internos no Quênia; violência pós-eleição forçou 100 mil quenianos a deixar suas casas em menos de uma semana


DA REDAÇÃO

O presidente do Quênia, Mwai Kibaki, só aceitará realizar uma nova eleição no país caso os tribunais anulem o controvertido pleito de 27 de novembro, anunciou ontem Alfred Mutua, um dos porta-vozes do governo. Violentas contestações ao resultado oficial, que reconduziu Kibaki ao cargo por uma pequena margem, resultaram em pelo menos 300 mortes desde o anúncio da vitória, em 30 de janeiro.
Acusações de fraude e manipulação dos resultados marcaram as eleições presidenciais. Minutos após a divulgação do resultado oficial, partidários de Raila Odinga, líder do Movimento Democrático Laranja (ODM, na sigla em inglês), saíram às ruas em Nairóbi, num movimento que logo se espalhou pelo país. Os manifestantes -grande parte deles luos, como Odinga- voltaram-se contra os kikuyus -grupo étnico de Kibaki-, acusados de monopolizar a vida política no Quênia.
O advogado-geral do Quênia, Amos Wako, pediu uma investigação independente sobre a contagem de votos. O ODM rejeita a sugestão de Wako, considerado um aliado do governo, e promete manter a mobilização até que o pleito seja cancelado.

Cansados e famintos
Após uma semana de protestos, porém, o movimento dá sinais de fadiga. O grande ato da oposição, remarcado para ontem por Raila Odinga, não aconteceu. A repressão, com patrulha ostensiva, a fome e a exaustão física venceram o ânimo dos manifestantes.
"A gente está sofrendo com esses protestos intermináveis, porque todos nós vivemos de biscates... Para trabalhar, e até para protestar, é preciso ter comida", comenta Fred Nguli, 24. Ele disse estar faminto demais para participar de mais marchas. Como Nguli, cerca de 40% dos trabalhadores quenianos não têm emprego fixo.
Com o aumento dos preços de alimentos e a interrupção no fluxo de turistas, a instabilidade começa a afetar o bolso dos quenianos. Declaração do Banco Mundial afirma que a continuidade dos tumultos ameaça o "impressionante" crescimento econômico e a redução da pobreza no Quênia, cuja expansão econômica chegou a 7% no ano passado. O setor turístico é uma das principais fontes de recursos do país, pobre em minérios e em terras cultiváveis.
Para as nações vizinhas, uma crise prolongada seria desastrosa. Em poucos dias, a violência no Quênia -até então um dos mais estáveis da África Oriental- já levou ao desabastecimento de combustíveis em Uganda, Ruanda e Burundi, que dependem dos portos do Quênia, temporariamente fechados.

Impasse Político
Rivais circunstanciais, Odinga e Kibaki foram aliados nas eleições de 2002, que pôs fim a 24 anos de governo de Daniel Arap Moi. Descontente com a divisão de poder, Odinga rompeu com Kibaki e, em 2005, liderou com sucesso a campanha contra o referendo que aumentaria poderes da Presidência. Surgia o Movimento Democrático Laranja -fruta que representava o "não" no referendo.
Os mediadores internacionais defendem um governo de coalizão -hipótese que, a princípio, os rivais não descartaram. Raila Odinga chegou a remarcar para terça (8 de janeiro) o protesto inicialmente marcado para anteontem, abrindo espaço para um diálogo.
Após a recusa de Kibaki em negociar com quem não o reconhecesse como presidente, anunciada em rede de TV, Odinga antecipou a data. Um lugar no governo não é o bastante para nenhum dos líderes, dispostos a continuar a disputa pela cadeira presidencial.


Com agências internacionais


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