São Paulo, quinta-feira, 05 de março de 2009

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Decisão do TPI abre precedente global

Mandados anteriores de prisão contra chefes de Estados no poder partiram de tribunais temporários

Processo contra Bashir foi acompanhado por aumento da violência em Darfur; crise pode pôr em xeque primeira eleição geral desde 1986

DA REDAÇÃO

O mandado de prisão contra o ditador sudanês Omar al Bashir é um ponto de virada na Justiça internacional, que traz uma nova dinâmica política com consequências imprevisíveis. Vista como uma ameaça à estabilidade regional pela União Africana (UA) e a Liga Árabe, a decisão foi celebrada por ativistas humanitários.
A decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) introduz um elemento inédito de responsabilização de governantes em uma corte permanente, disse Reed Brody, da Human Rights Watch -em casos anteriores, como o do sérvio Slobodan Milosevic, o mandado de prisão foi expedido por tribunais especiais e temporários.
Rechaçada por Cartum, a decisão do TPI não será cumprida imediatamente, mas torna o governo de Bashir insustentável a longo prazo.
Há quase duas décadas no cargo, o ditador sudanês tem poderes limitados, afirmaram analistas ouvidos pela Folha. "Não é um governo de um homem só. O poder é compartilhado com os militares", afirmou Brody, que prevê um acirramento da disputa entre setores pragmáticos e os de linha dura, liderados por Bashir.
A divisão de poderes no governo pode ser um atenuante para Bashir -que, segundo alguns analistas, teve participação direta limitada no conflito de Darfur. Cartum tem buscado afastar-se das milícias árabes Janjaweed, armadas pelo regime para resistir aos rebeldes de Darfur. O líder da milícia está detido.
Para Fouad Hikmat, especialista em Sudão do Internacional Crisis Group, o governo terá de responder a pressões internas e regionais que podem agravar a instabilidade no Sudão. "O processo contra Bashir provocou uma reação em cadeia. Todos os grupos insurgentes querem estar em posição de força para negociar a paz", disse Hikmat.
Conflagrada há seis anos apesar das iniciativas de paz, a região de Darfur enfrentou nos últimos meses um recrudescimento da violência, com ataques à Unamid, missão de paz conjunta da ONU e da UA.
A crise diplomática coloca em suspensão o futuro da missão, estabelecida em 2007. A Unamid esforçava-se para manter relação cordial com Cartum, o que lhe custou a hostilidade de facções do Exército de Libertação do Sudão e do Movimento Justiça e Igualdade -principais grupos rebeldes da Darfur, cindidos por divergencias internas.
Com menos da metade dos 31 mil homens previstos, a Unamid falhou em conter a violência, mas é considerada essencial para a segurança e credibilidade das eleições gerais sudanesas, previstas para julho de 2009 -as primeiras desde 1986.
O cerco a Bashir deve realçar divisões no regime. O ditador, que chegou ao poder em 1989 com apoio de militares e islamistas, enfrentou a dissidência de líderes islâmicos do sul do país, insatisfeitos com a concentração de poder e renda pelos sudaneses de língua árabe.
"Mas Bashir continua em posição de poder no governo, mesmo porque seus prováveis sucessores são alvos potenciais do TPI", ressalvou Brody. O TPI já decretara a prisão do ministro sudanês de Direitos Humanos, Ahmed Haroun, por crimes em Darfur. Mesmo foragido, ele foi indicado para o comitê que monitora a Unamid. (CLARA FAGUNDES)


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