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"EUA têm de levar Otan mais a sério"
Para ex-embaixador, seu país só terá apoio se acreditar e convencer aliados do peso da aliança como fórum estratégico
Envolvimento com a Europa é chave, diz Robert Hunter; para o futuro, será preciso aumentar cooperação com
a UE e converter a Rússia
ANDREA MURTA
DE NOVA YORK
A Otan viveu em crise de
identidade nos últimos 60
anos. Para os próximos 60,
além de sair do desafio afegão,
precisa unir instrumentos militares a não militares, romper
barreiras com a União Europeia e fazer da Rússia sua aliada. Quem afirma é Robert Hunter, ex-embaixador dos EUA na
Otan sob Bill Clinton (1993-2001) e atual membro sênior
do grupo Rand, consultoria e
think-tank de segurança.
A seguir, trechos de sua entrevista à Folha.
FOLHA - Dizem que a Otan está em
crise de identidade desde o fim da
Guerra Fria. Como a aliança se define para o futuro?
ROBERT HUNTER - A Otan está em
crise de identidade desde que
foi criada. Depois da Guerra
Fria, uma combinação do que
os ex-presidentes George H.W.
Bush e Bill Clinton fizeram deu
a ela uma perspectiva mais clara para o futuro, ao: 1) manter
os EUA envolvidos estrategicamente com a Europa; 2) garantir que não houvesse retaliação
no Leste Europeu; 3) tirar a Europa Central do xadrez [das
disputas políticas globais]; 4)
tentar dialogar com a Rússia; 5)
desenvolver relações com a
União Europeia; 6) reorganizar
os comandos militares da aliança; e 7) parar as guerras na Bósnia e em Kosovo.
FOLHA - Há um argumento hoje de
que a Otan não deveria tentar ser
mais do que uma força militar para
intervenções selecionadas...
HUNTER - As duas coisas mais
importantes da Otan são manter os EUA envolvidos estrategicamente com a Europa e garantir a segurança dos aliados.
Tudo que for feito além disso é
um extra. Está claro que há outros campos em que os países-membros podem aproveitar
para fazer coisas juntos. Todos
têm interesse profundo no futuro do Oriente Médio. Todos
os aliados estão de alguma forma envolvidos no Afeganistão.
FOLHA - A Otan não perdeu relevância como fórum primário de engajamento entre EUA e Europa?
HUNTER - Em alguns aspectos
sim. Se os EUA querem ajuda
no Afeganistão, é preciso convencer os membros que a Otan
é o fórum privilegiado para
consultas estratégicas. É uma
iniciativa que deve partir dos
EUA, e nós mesmos temos de
levar a Otan mais a sério antes.
FOLHA - Que legado Barack Obama encontra na Otan após Bush?
HUNTER - O Afeganistão é o
maior legado dessa época e
nosso problema mais sério hoje. Precisamos de ajuda. A
maioria dos europeus não crê
estar sob ameaça se a Al Qaeda
não for derrotada.
FOLHA - E onde isso deixa a Otan?
HUNTER - Em um grande ponto
de interrogação. Mas se dissermos que a Otan é só sobre o
Afeganistão, estaremos com
um grande problema. É importante criar mais cooperação entre a Otan e a União Europeia.
FOLHA - E fora do Afeganistão,
qual o desafio?
HUNTER - São muitos. Um é
unir instrumentos militares e
não militares. Outro é trabalhar com outras instituições
para cooperar em temas de
energia, segurança, cibersegurança. Romper as barreiras
com a União Europeia. Convencer todos os membros a investirem mais. E descobrir o
quanto realmente expandir.
É preciso melhorar a cooperação com outras entidades. Na
última semana, a reunião de segurança mais importante não
foi a da Otan, foi a do G20.
FOLHA - No médio prazo, a Otan
deve se preocupar em expandir?
HUNTER - Ninguém está pensando nisso por enquanto, por
causa dos acontecimentos com
a Geórgia e a Ucrânia do ano
passado [conflito com a Rússia
no primeiro caso, tensão e
ameaças no segundo]. A longo
prazo a questão vai ressurgir.
Mas eu creio que a Otan tem
que descobrir antes o quanto
está disposta a expandir. Nunca
gostei da ideia de a Otan ser um
substituto para outros elementos do compromisso desses países com o Ocidente: economia,
comércio, parcerias de paz.
FOLHA - Como o sr. vê a relação
com a Rússia daqui para frente?
HUNTER - A importância da
"questão russa" aumentou por
causa do comportamento do
[ex-presidente e atual premiê]
Vladimir Putin. E a guerra com
a Geórgia deixou um trauma.
Mas todos na Europa entendem que se há um problema
com os russos, só um país pode
lidar com isso: os EUA. A declaração conjunta de Obama e [do
presidente Dmitri] Medvedv
[sobre desarmamento] na semana passada foi vista como sinal de redução do desafio russo.
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