São Paulo, domingo, 05 de abril de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"EUA têm de levar Otan mais a sério"

Para ex-embaixador, seu país só terá apoio se acreditar e convencer aliados do peso da aliança como fórum estratégico

Envolvimento com a Europa é chave, diz Robert Hunter; para o futuro, será preciso aumentar cooperação com a UE e converter a Rússia

ANDREA MURTA
DE NOVA YORK

A Otan viveu em crise de identidade nos últimos 60 anos. Para os próximos 60, além de sair do desafio afegão, precisa unir instrumentos militares a não militares, romper barreiras com a União Europeia e fazer da Rússia sua aliada. Quem afirma é Robert Hunter, ex-embaixador dos EUA na Otan sob Bill Clinton (1993-2001) e atual membro sênior do grupo Rand, consultoria e think-tank de segurança.
A seguir, trechos de sua entrevista à Folha.

 

FOLHA - Dizem que a Otan está em crise de identidade desde o fim da Guerra Fria. Como a aliança se define para o futuro?
ROBERT HUNTER
- A Otan está em crise de identidade desde que foi criada. Depois da Guerra Fria, uma combinação do que os ex-presidentes George H.W. Bush e Bill Clinton fizeram deu a ela uma perspectiva mais clara para o futuro, ao: 1) manter os EUA envolvidos estrategicamente com a Europa; 2) garantir que não houvesse retaliação no Leste Europeu; 3) tirar a Europa Central do xadrez [das disputas políticas globais]; 4) tentar dialogar com a Rússia; 5) desenvolver relações com a União Europeia; 6) reorganizar os comandos militares da aliança; e 7) parar as guerras na Bósnia e em Kosovo.

FOLHA - Há um argumento hoje de que a Otan não deveria tentar ser mais do que uma força militar para intervenções selecionadas...
HUNTER
- As duas coisas mais importantes da Otan são manter os EUA envolvidos estrategicamente com a Europa e garantir a segurança dos aliados. Tudo que for feito além disso é um extra. Está claro que há outros campos em que os países-membros podem aproveitar para fazer coisas juntos. Todos têm interesse profundo no futuro do Oriente Médio. Todos os aliados estão de alguma forma envolvidos no Afeganistão.

FOLHA - A Otan não perdeu relevância como fórum primário de engajamento entre EUA e Europa?
HUNTER
- Em alguns aspectos sim. Se os EUA querem ajuda no Afeganistão, é preciso convencer os membros que a Otan é o fórum privilegiado para consultas estratégicas. É uma iniciativa que deve partir dos EUA, e nós mesmos temos de levar a Otan mais a sério antes.

FOLHA - Que legado Barack Obama encontra na Otan após Bush?
HUNTER
- O Afeganistão é o maior legado dessa época e nosso problema mais sério hoje. Precisamos de ajuda. A maioria dos europeus não crê estar sob ameaça se a Al Qaeda não for derrotada.

FOLHA - E onde isso deixa a Otan?
HUNTER
- Em um grande ponto de interrogação. Mas se dissermos que a Otan é só sobre o Afeganistão, estaremos com um grande problema. É importante criar mais cooperação entre a Otan e a União Europeia.

FOLHA - E fora do Afeganistão, qual o desafio?
HUNTER
- São muitos. Um é unir instrumentos militares e não militares. Outro é trabalhar com outras instituições para cooperar em temas de energia, segurança, cibersegurança. Romper as barreiras com a União Europeia. Convencer todos os membros a investirem mais. E descobrir o quanto realmente expandir.
É preciso melhorar a cooperação com outras entidades. Na última semana, a reunião de segurança mais importante não foi a da Otan, foi a do G20.

FOLHA - No médio prazo, a Otan deve se preocupar em expandir?
HUNTER
- Ninguém está pensando nisso por enquanto, por causa dos acontecimentos com a Geórgia e a Ucrânia do ano passado [conflito com a Rússia no primeiro caso, tensão e ameaças no segundo]. A longo prazo a questão vai ressurgir.
Mas eu creio que a Otan tem que descobrir antes o quanto está disposta a expandir. Nunca gostei da ideia de a Otan ser um substituto para outros elementos do compromisso desses países com o Ocidente: economia, comércio, parcerias de paz.

FOLHA - Como o sr. vê a relação com a Rússia daqui para frente?
HUNTER
- A importância da "questão russa" aumentou por causa do comportamento do [ex-presidente e atual premiê] Vladimir Putin. E a guerra com a Geórgia deixou um trauma.
Mas todos na Europa entendem que se há um problema com os russos, só um país pode lidar com isso: os EUA. A declaração conjunta de Obama e [do presidente Dmitri] Medvedv [sobre desarmamento] na semana passada foi vista como sinal de redução do desafio russo.


Texto Anterior: Ativistas antiglobalização incendeiam hotel
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.