São Paulo, sábado, 05 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Intelectuais perdem papel nas eleições da França

Para analista, apoio de acadêmicos aos candidatos deu lugar ao de celebridades

Mesmo sem pesar tanto, hoje o apoio de nomes da intelectualidade está mais dividido entre esquerda e direita do que nos anos 60

CÍNTIA CARDOSO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Durante a campanha para a eleição presidencial na França, o papel dos intelectuais na vida política do país esteve em debate. Por muitos anos considerados os detentores do monopólio da indignação e os clarividentes dos destinos da República francesa, diante da ascensão de outros atores, como personalidades do "showbizz" e da própria mídia, há quem se questione sobre o peso que a intelligentsia francesa pode exercer na escolha do próximo presidente do país.
"Os intelectuais estão totalmente marginais nessa campanha. Não é a posição de Bernard-Henry Lévy [filósofo] em favor de Ségolène Royal que vai dar a ela mais votos. É a primeira vez que esse fenômeno [de perda de importância dos intelectuais] fica tão visível, ainda que já tivéssemos notado isso na campanha de 2002", afirma Philippe Subra, professor do Instituto Francês de Geopolítica, em Paris.
Na ocasião do lançamento do pacto presidencial de Ségolène, na primeira fila da platéia houve grande destaque para a presença de atores e comediantes que apóiam a candidata socialista. As declarações de intenção de voto do rapper francês Doc Gyneco e do cantor Johnny Hallyday ao candidato de direita Nicolas Sarkozy foram noticiadas com grande alarde pela imprensa francesa.
"O lugar dos intelectuais foi reduzido em favor da "sociedade do espetáculo'", afirma Daniel Lindenberg, historiador e professor da Universidade Paris 8. Constatação semelhante é feita pelo historiador Michel Winock, autor do livro "La mêlée présidentielle" (a confusão presidencial).
Outro fator que também contribui para a marginalização dos intelectuais no debate político, por exemplo, escreve Winock, é o aumento da proporção de pessoas com nível universitário na França. Na avaliação de Winock, a sociedade francesa atual não sente mais a necessidade de ter guias. Prevalece o desejo de auto-expressão presente na proliferação de blogs e de sites de internet.

Guinada à direita
Mesmo com um certo recuo da participação dos intelectuais na atual corrida presidencial, o alinhamento à esquerda ou à direita de escritores, historiadores e filósofos ainda é capaz de acirrar os ânimos.
Tradicionalmente, a intelectualidade francesa é associada à defesa das liberdades individuais, dos direitos humanos. A figura do intelectual ganhou espaço na França na transição para o século 20, com a intervenção do escritor Émile Zola no conhecido Caso Dreyfus. Com o célebre texto "J'accuse", Zola defendeu o capitão judeu Alfred Dreyfus, que havia sido acusado injustamente de espionagem. À época, os intelectuais e a imprensa franceses se dividiram entre os "dreyfusards" e os "antidreyfusards". Essa passagem da história francesa ajudou a cristalizar, ao longo do tempo, a imagem do "intello-gaucho". Ou seja, o intelectual de esquerda.
Talvez justamente por isso a troca de lado do historiador e escritor Max Gallo tenha sido tão controversa. Ligado ao Partido Socialista, ativo no governo do presidente François Mitterrand, Gallo manifestou seu apoio a Sarkozy.
O entusiasmo de Gallo com o candidato da direita passa pela questão da defesa da identidade francesa, uma das âncoras do discurso de Sarkozy. "Se acreditarmos que a questão da identidade nacional é a questão central dessa campanha -de onde vem o nosso país, qual o seu destino, o que é ser francês-, se considerarmos que há um verdadeiro sofrimento entre os franceses que se interrogam sobre esses temas, sim, essa parte do discurso de Sarkozy é adequada", declarou Gallo.
André Glucksman, filósofo, afirma que seu apoio a Sarkozy é motivado pela abordagem da política externa do candidato, alinhado com os Estados Unidos e que, mais de uma vez, já criticou o presidente da Rússia, Vladimir Putin, diferentemente do atual presidente francês, Jacques Chirac.
Numa resposta ao processo de "direitização", 150 intelectuais lançaram no começo do mês passado um manifesto intitulado "Antes que seja tarde demais", em favor de Ségolène. Na lista, nomes como o da escritora Geneviève Brisac.
"Hoje os intelectuais têm menos dificuldade para se declararem de direita que nos anos 60", argumenta Subra, do Instituto Francês de Geopolítica. "Mesmo assim os intelectuais continuam ainda mais à esquerda do que a maioria da população", disse.


Texto Anterior: Sarkozy abre frente e Royal apela ao medo
Próximo Texto: Sarkozy "paz e amor" recorre a De Gaulle na reta final
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.