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Intelectuais perdem papel nas eleições da França
Para analista, apoio de acadêmicos aos candidatos deu lugar ao de celebridades
Mesmo sem pesar tanto, hoje o apoio de nomes da intelectualidade está mais dividido entre esquerda e direita do que nos anos 60
CÍNTIA CARDOSO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Durante a campanha para a
eleição presidencial na França,
o papel dos intelectuais na vida
política do país esteve em debate. Por muitos anos considerados os detentores do monopólio da indignação e os clarividentes dos destinos da República francesa, diante da ascensão de outros atores, como personalidades do "showbizz" e da
própria mídia, há quem se
questione sobre o peso que a intelligentsia francesa pode exercer na escolha do próximo presidente do país.
"Os intelectuais estão totalmente marginais nessa campanha. Não é a posição de Bernard-Henry Lévy [filósofo] em
favor de Ségolène Royal que vai
dar a ela mais votos. É a primeira vez que esse fenômeno [de
perda de importância dos intelectuais] fica tão visível, ainda
que já tivéssemos notado isso
na campanha de 2002", afirma
Philippe Subra, professor do
Instituto Francês de Geopolítica, em Paris.
Na ocasião do lançamento do
pacto presidencial de Ségolène,
na primeira fila da platéia houve grande destaque para a presença de atores e comediantes
que apóiam a candidata socialista. As declarações de intenção de voto do rapper francês
Doc Gyneco e do cantor
Johnny Hallyday ao candidato
de direita Nicolas Sarkozy foram noticiadas com grande
alarde pela imprensa francesa.
"O lugar dos intelectuais foi
reduzido em favor da "sociedade do espetáculo'", afirma Daniel Lindenberg, historiador e
professor da Universidade Paris 8. Constatação semelhante é
feita pelo historiador Michel
Winock, autor do livro "La mêlée présidentielle" (a confusão
presidencial).
Outro fator que também contribui para a marginalização
dos intelectuais no debate político, por exemplo, escreve Winock, é o aumento da proporção de pessoas com nível universitário na França. Na avaliação de Winock, a sociedade
francesa atual não sente mais a
necessidade de ter guias. Prevalece o desejo de auto-expressão
presente na proliferação de
blogs e de sites de internet.
Guinada à direita
Mesmo com um certo recuo
da participação dos intelectuais
na atual corrida presidencial, o
alinhamento à esquerda ou à
direita de escritores, historiadores e filósofos ainda é capaz
de acirrar os ânimos.
Tradicionalmente, a intelectualidade francesa é associada à
defesa das liberdades individuais, dos direitos humanos. A
figura do intelectual ganhou espaço na França na transição para o século 20, com a intervenção do escritor Émile Zola no
conhecido Caso Dreyfus. Com
o célebre texto "J'accuse", Zola
defendeu o capitão judeu Alfred Dreyfus, que havia sido
acusado injustamente de espionagem. À época, os intelectuais e a imprensa franceses se
dividiram entre os "dreyfusards" e os "antidreyfusards".
Essa passagem da história francesa ajudou a cristalizar, ao
longo do tempo, a imagem do
"intello-gaucho". Ou seja, o intelectual de esquerda.
Talvez justamente por isso a
troca de lado do historiador e
escritor Max Gallo tenha sido
tão controversa. Ligado ao Partido Socialista, ativo no governo do presidente François Mitterrand, Gallo manifestou seu
apoio a Sarkozy.
O entusiasmo de Gallo com o
candidato da direita passa pela
questão da defesa da identidade francesa, uma das âncoras
do discurso de Sarkozy. "Se
acreditarmos que a questão da
identidade nacional é a questão
central dessa campanha -de
onde vem o nosso país, qual o
seu destino, o que é ser francês-, se considerarmos que há
um verdadeiro sofrimento entre os franceses que se interrogam sobre esses temas, sim, essa parte do discurso de Sarkozy
é adequada", declarou Gallo.
André Glucksman, filósofo,
afirma que seu apoio a Sarkozy
é motivado pela abordagem da
política externa do candidato,
alinhado com os Estados Unidos e que, mais de uma vez, já
criticou o presidente da Rússia,
Vladimir Putin, diferentemente do atual presidente francês,
Jacques Chirac.
Numa resposta ao processo
de "direitização", 150 intelectuais lançaram no começo do
mês passado um manifesto intitulado "Antes que seja tarde
demais", em favor de Ségolène.
Na lista, nomes como o da escritora Geneviève Brisac.
"Hoje os intelectuais têm
menos dificuldade para se declararem de direita que nos
anos 60", argumenta Subra, do
Instituto Francês de Geopolítica. "Mesmo assim os intelectuais continuam ainda mais à
esquerda do que a maioria da
população", disse.
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