São Paulo, quinta-feira, 05 de maio de 2011

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ANÁLISE

Decisão de Obama atende a apelo populista por "vingança"

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Mesmo com todas as dúvidas que pairam acerca do ataque ao complexo de Osama bin Laden, poucas mortes foram tão celebradas.
O consenso, ao menos no Ocidente, parece ser o de que ele mereceu seu destino. Mas o que significa "merecer"?
"Grosso modo", existem duas concepções de Direito. A primeira e mais antiga é conhecida como lei de talião. É o famoso "olho por olho, dente por dente". Tecnicamente, leva o nome de justiça retributiva. Não difere muito da vingança. Aplica-se a pena porque o réu a "merece".
Essa noção de merecimento, é claro, só faz sentido quando dispomos de um Deus ou outra entidade metafísica que sustente uma ideia de Justiça.
Esse conceito mais bruto começou a ser questionado no século 18, especialmente por Cesare Beccaria e Jeremy Bentham. A partir do século 19 foi ganhando força a noção utilitarista de que a pena tem como objetivo não a punição pela punição, mas a manutenção da ordem pública. O criminoso deve sofrer uma sanção para desencorajar outras pessoas a imitá-lo.
Daí a necessidade de julgamentos públicos. A pena já não precisa ser tão "cruel" como a ofensa que coíbe.
Hoje é difícil sustentar, no mundo civilizado, a concepção puramente retributiva. Paulatinamente, os sistemas legais do Ocidente foram deixando de fazer referência a Deus e procuraram fundar-se como positivos.
É verdade que uma noção puramente utilitarista também cria dificuldades teóricas. Quase todos achamos que um ditador como Saddam Hussein, a exemplo de outros assassinos em massa, "merece" punição. Do ponto de vista utilitário, contudo, depois que ele já foi afastado do poder, não ganhamos nada ao enforcá-lo.
Não é só. Se levarmos a lógica utilitarista ao extremo, precisaremos considerar válido conter a ação de criminosos ameaçando seus familiares, por exemplo.
O dilema das sociedades contemporâneas é equilibrar as necessidades de uma Justiça racional, calcada no utilitarismo, com o respeito à sensibilidade jurídica da população, que, como mostra a reação à morte de Bin Laden, ainda caminha perigosamente perto da vingança.
Ao sancionar a solução final em vez da captura e do julgamento do terrorista saudita, Barack Obama, que já foi professor de direito constitucional na Universidade de Chicago, parece não ter resistido aos apelos populistas.


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