São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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ESCÂNDALO

Gordon Liddy, que organizou a invasão do comitê democrata em 1972, diz que ação da fonte do "Post" foi "desonrosa"

Pivô de Watergate desdenha "Garganta"

PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK

Na semana em que acabou um dos maiores segredos da história do jornalismo, uma das peças-chave do escândalo de Watergate disse que a identidade do "Garganta Profunda" -codinome da fonte central do jornal "The Washington Post" na cobertura do caso- era uma questão menor.
"Nem gastei muito tempo tentando descobrir. Não foi muito importante", disse à Folha Gordon Liddy, 74, o homem que arquitetou a invasão da comitê do Partido Democrata em 1972, ação cuja repercussão levaria à renúncia do presidente republicano Richard Nixon dois anos mais tarde.
Ex-agente do FBI, Liddy era um dos integrantes da unidade de investigações especiais da Casa Branca e estava a poucas quadras do prédio quando os cinco invasores foram presos. Julgado, ficou quase cinco anos na prisão, mais de cem dias na solitária.
Passados mais de 30 anos do escândalo, Liddy mantém sua versão dos fatos, considerada por muitos uma teoria da conspiração.
Segundo ele, seu grupo invadiu o comitê democrata não para grampear o local, mas em busca de provas de uma rede de prostituição que teria elos no local e serviria a políticos do partido. De acordo com ele, não havia nenhuma intenção política.
Para Liddy, a atitude do ex-número dois do FBI W. Mark Felt -que era o "Garganta Profunda"- "foi desonrosa naquela época, é desonrosa agora".
Crítico da mídia norte-americana, o ex-assessor de Nixon hoje tem um popular programa de "talk-show" de extrema direita que é retransmitido por mais de 200 estações de rádio nos Estados Unidos. Leia a seguir a entrevista que Liddy concedeu à Folha, por telefone.

Folha - Como o senhor vê a discussão sobre se o "Garganta Profunda" era um herói ou um traidor?
Gordon Liddy -
Acho que traidor seria uma palavra muito forte. O que ele fez foi desonroso, foi errado, e se alguém ler o texto [que revelou sua identidade] fica claro que foi desonroso. Foi por isso que ele não queria que seu nome viesse a público. Aparentemente, velho, fraco, com um infarto e a mente confusa, sua família o levou a isso pelo dinheiro.

Folha - Mas, passado tanto tempo, ainda é desonroso?
Liddy -
Foi desonroso naquela época, é desonroso agora.

Folha - Sua vida mudou completamente desde então. E em relação a Watergate, alguma coisa mudou?
Liddy -
Não é nada diferente agora do que era então. O grande problema é que o público não sabe do que Watergate se tratou na verdade. [Bob] Woodward e [Carl] Bernstein [jornalistas que fizeram as reportagens do "Post"] escolheram não contar sobre o que de fato era.

Folha - E o que era?
Liddy -
O FBI estava investigando uma rede de prostituição, que estava vindo do Columbia Plaza, que ficava do outro lado da rua do complexo de Watergate. E o FBI achou uma ligação entre a rede de prostituição e o quartel-general do Partido Democrata.
O FBI disse que o elo era uma mulher, que era uma secretária ou assistente administrativa. Tanto que, quando o aparelho de escuta foi encontrado pelos democratas, foi achado no telefone de uma mulher que era uma secretária, assistente administrativa, não tinha nada a ver com o comando do Partido Democrata. E toda essa informação está disponível, nos arquivos, mas eles escolheram manter essa ficção de que era uma intriga política. Não era.

Folha - Então toda a história era uma mentira, e o FBI estava certo ao fazer a investigação em Watergate?
Liddy -
Sim, com certeza. É o que o FBI encontrou.

Folha - E o senhor acha que esse seu ângulo da história pode ganhar novo fôlego agora?
Liddy -
A mídia não vai publicar, a mídia continua mantendo esses segredos.

Folha - O senhor já comparou uma vez a mídia àquele tio indesejado, "uma coisa infeliz que acontece", na sua expressão.
Liddy -
Porque ela não conta a verdade às pessoas. Mantém em segredo, por exemplo, a real motivação do caso Watergate.

Folha - E agora, em relação ao presidente George W. Bush, de direita como o senhor, também mentem sobre ele?
Liddy -
A imensa maioria da mídia está muito descontente com o presidente Bush, porque ela é muito à esquerda neste país. Há alguns veículos que não, como o "Washington Times", que é um jornal justo, a Fox News, que é balanceada. Mas a maioria é de esquerdistas.

Folha - O senhor alguma vez pensou que Felt fosse a fonte?
Liddy -
Não sabia quem era. E realmente também nem gastei muito tempo tentando descobrir.

Folha - Por quê, isso era uma questão menor?
Liddy -
Sim, nós sabíamos que eles tinham várias fontes, as identidades de algumas delas, só não sabíamos quem era aquela lá. Não foi muito importante. O editor do "Washington Post" naquela época, num aniversário do caso, escreveu um artigo dizendo que a contribuição do "Garganta Profunda" foi muito supervalorizada, era marginal. E ele era o editor, deve saber do que estava falando. Não ia gastar meu tempo tentando descobrir quem era.

Folha - E essa revelação trouxe à tona alguma lembrança?
Liddy -
Não, só que era um homem desonrado, fazendo algo desonrável.


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