São Paulo, sábado, 05 de junho de 2010 |
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CLÓVIS ROSSI A força, o idioma de Israel
HÁ UM ERRO de avaliação terrível na afirmação do presidente Barack Obama de que "não é prematuro dizer a israelenses e palestinos -e aos demais envolvidos- que o status quo é insustentável". Pode até ser que, a longo prazo, seja insustentável, mas, como a longo prazo estaremos todos mortos, fiquemos no curto e médio prazo. Nestes, Israel -o governo e uma parcela substancial da sociedade- sente-se perfeitamente confortável com o status quo. Não há, portanto, qualquer pressão interna para alterar o status quo, seja para criar um Estado palestino, seja para levantar o cerco à faixa de Gaza, seja para fazer acordos de paz com os vizinhos com os quais ainda está tecnicamente em guerra (Síria e Líbano). Desde que avançou a construção do muro que mantém os palestinos da Cisjordânia isolados de Israel, o conforto só aumentou, porque diminuíram os atentados. Para tornar ainda menos correta a avaliação de Obama, há o fato de que Israel também sente-se confortável com o uso da força. Afinal, ganhou todas as vezes em que a utilizou. É bom deixar claro que não estou fazendo qualquer juízo de valor sobre o uso da força por Israel. Fazê-lo demandaria um tempo de pesquisa e um espaço que escapa muito ao âmbito do jornalismo diário. Estou apenas fazendo uma constatação factual: com o uso da força, Israel ganhou a guerra de independência, expandiu seu território, reduziu à impotência os países árabes hostis e, mais recentemente, diminuiu o poder de fogo tanto do Hamas, em Gaza, como do Hizbollah no Líbano -a rigor os dois únicos movimentos que contestam, com armas na mão, o direito de Israel de existir. (O Irã dos aiatolás também o faz, mas, por enquanto, é mais pela palavra que pelas armas.) Tornou-se, na prática, uma política de Estado que David Grossman, brilhante e pacifista autor israelense, chama de "torpe e calcificada". Escreve Grossman: Israel "uma e outra vez recorre, por inércia, ao uso maciço e exagerado da força, a cada momento decisivo, quando se pediria, ao contrário, sabedoria, sensibilidade e pensamento criativo". É sintomático que, no momento em que boa parte do mundo pede justamente "pensamento criativo" para pôr fim ao cerco a Gaza, Aluf Benn, editor de assuntos diplomáticos do jornal israelense "Haaretz", proponha o seguinte: "Israel deveria informar a comunidade internacional que está abandonando toda a responsabilidade pelos residentes de Gaza e seu bem-estar. A fronteira Israel-Gaza deveria ser completamente fechada (...). Uma data deveria ser fixada para dissociar os sistemas de água e eletricidade de Gaza daqueles de Israel. A união aduaneira com Israel cessaria, e o shekel [a moeda israelense] deixaria de ser a moeda de curso legal em Gaza". Não deixa de ser uma maneira de admitir, como Obama, que o status quo é insustentável. Mas a saída proposta -e não por um militante da extrema-direita- corresponde ao uso da força por outros meios. Equivale igualmente a atirar ao mar os palestinos de Gaza, tal como os palestinos do Hamas sonham em fazer com os judeus de Israel. Pode ser insustentável, mas é o idioma de uso corrente e disseminado. crossi@uol.com.br Texto Anterior: Depoimento: O que aconteceu conosco acontece em Gaza Próximo Texto: Governo turco sobe o tom contra Israel Índice |
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