São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2007

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Quem não quer não fica no Mercosul, diz Lula

Presidente reage com conformismo à ameaça de Chávez de deixar bloco, mas faz defesa da participação da Venezuela

Lula afirma em Lisboa que a relação com Caracas é "extraordinária" e que vai discutir problemas em conversa com venezuelano

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu com conformismo ao "ultimato" de seu colega venezuelano, Hugo Chávez, aos Congressos brasileiro e paraguaio para que aprovem até setembro a entrada da Venezuela no Mercosul, sob pena de solicitar a retirada do pedido de ingresso no bloco. "Para entrar [no Mercosul] tem que ter regras, mas para sair não tem regras. Quem não quer ficar não fica", disse Lula.
Não escondeu que prefere que a Venezuela fique. Primeiro, ao qualificar de "extraordinária" a relação do Brasil com a Venezuela, citando o gasoduto que se pretende construir, "atravessando toda a América do Sul", e os projetos conjuntos entre as estatais Petrobras e PDVSA para a construção de refinarias em ambos os países.
Depois, o presidente brasileiro afirmou que "acabou o tempo em que ganhávamos algo de costas um para o outro".
Lula não quis estabelecer um debate via mídia com seu colega venezuelano. Preferiu jogar os esclarecimentos para uma conversa pessoal com Chávez. "Não faltará tempo e conversa para saber o que está acontecendo de verdade", disse Lula. Lamentou que essa conversa não pudesse ter sido feita na recente reunião de cúpula do Mercosul, no Paraguai, pela ausência de Chávez -que estava em viagem à Rússia.
Mas o presidente brasileiro teve que ouvir uma dura crítica do presidente da Comissão Européia, o português José Manoel Durão Barroso, à não-renovação da concessão do canal RCTV pelo presidente Chávez.
"Nós defendemos em qualquer parte do mundo a liberdade de expressão. Sempre que há uma redução do pluralismo, temos o direito e o dever de expressar nossa preocupação", disparou Barroso durante a entrevista coletiva de encerramento da 1ª Cúpula Brasil/União Européia.
A portas fechadas, Lula e seu chanceler, Celso Amorim, fizeram uma exposição sobre o processo de integração sul-americano, durante a qual defenderam a participação venezuelana. Amorim lembrou que a diversidade de opiniões enriquece o processo, citando o exemplo da própria Europa, em que há freqüentes divergências entre os 27 países que fazem parte do bloco europeu.
Na véspera, Amorim havia sido criticado por Chávez, que considerou "impertinente" a sugestão do chanceler para que ele fizesse "um gesto" em direção ao Congresso brasileiro, para dissolver o mal-estar que causou ao chamar o Parlamento de "papagaio" dos EUA.
É a primeira vez que Chávez critica diretamente um membro do governo Lula. Até então, as críticas eram ou ao Congresso (que tem forte maioria lulista) ou a uma difusa "direita" que supostamente estaria interessada em bloquear a entrada da Venezuela no Mercosul.
Coincidência ou não, Amorim ontem ficou longe das vistas dos jornalistas o dia todo, o que não é habitual nele.
Na reunião com Lula, os europeus não fizeram exatamente uma cobrança sobre a Venezuela, mas o premiê português, José Sócrates, não deixou de observar, com uma pitada de ironia, que ele e Durão Barroso conhecem bem o Brasil, o suficiente para saber que não se fazem no país há algum tempo discursos como "os que temos ouvido de outros governantes".
Os europeus perguntaram também sobre as relações Brasil/Cuba. Explica-se a curiosidade: está começando um tímido processo de diálogo entre a União Européia e Cuba, e é natural que o bloco europeu queira ouvir um governante como Lula com antigas relações com a ilha caribenha.


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