São Paulo, domingo, 5 de julho de 1998

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CONFRONTO
Grupos de direitos humanos apóiam travestis e prostituas; moradores se mobilizam e invocam moral
Direito de prostitutas divide Buenos Aires

AUGUSTO GAZIR
de Buenos Aires

Prostituição legal ou não? Na semana passada, escândalos de corrupção, situação política e econômica ficaram em segundo plano em Buenos Aires. O debate sobre a oferta sexual nas ruas da cidade dividiu com a Copa do Mundo a atenção dos portenhos.
De um lado, moradores de Palermo (bairro de classe média), mobilizados há meses, invocam a moral familiar e exigem a proibição da prostituição pública. Apoiados por entidades de direitos humanos, os travestis e as prostitutas se organizam para garantir a profissão.
Na última quinta-feira, eles se encontraram no prédio do Legislativo portenho para fazer lobby junto aos parlamentares, que votaram modificações no Código de Convivência Urbana.
As mudanças aprovadas restringiram a prostituição, sem proibir a oferta sexual nas ruas. Os deputados, insultados pelos manifestantes, tentaram o consenso, mas no final desagradaram a todos.
A polêmica sobre o tema começou em março deste ano, quando os legisladores aprovaram o Código de Convivência, que liberava a oferta sexual pública. As prostitutas trabalhavam na rua, mas eram inibidas pela extorsão policial.
Agora, elas podem trabalhar em público, desde que não façam ruído, não pertubem o trânsito, não hostilizem vizinhos e não andem com roupas íntimas.
O policial não pode prender a prostituta que desrespeitar a lei. Terá de convocar um fiscal da Justiça, que decidirá o que fazer.
Candidato da oposição a presidente, o governador de Buenos Aires, Fernando de la Rúa, ficou do lado dos vizinhos e afirmou que a proposta é "híbrida".
O governo federal também saiu em defesa dos vizinhos. "O texto é insuficiente para manter a ordem e a segurança da cidade", disse Carlos Corach, ministro do Interior.
Bertolt Brecht
A sessão que votou o novo código foi marcada por tumulto e protestos. Do lado de fora do Legislativo, cem policiais continham a raiva de travestis e prostitutas que não entraram por falta de lugar nas galerias.
Barrados no Legislativo, eles rasgaram os documentos de identidade para reivindicar o direito de assistir à sessão.
"Somos seres humanos e lutamos para sobreviver, enquanto esses vizinhos se queixam dos ruídos. Parece que há uma diferença", afirmou Paula Rodríguez, da Associação pela Luta da Identidade Travesti e Transexual.
Os moradores de Palermo distribuíram 5.500 cartazes pela cidade contra a prostituição. "Estamos com travas. Travas para dormir, para andar na calçada, para que nossos filhos brinquem no bairro", diz a publicidade, que traz a foto de um travesti.
Em discurso, o deputado da Frepaso (Frente País Solidário) Fernando Finvarb citou o dramaturgo alemão Bertolt Brecht para defender os direitos dos travestis.
"Primeiro, levaram os hippies. Depois, os travestis. Não me importei. Hoje, eles levaram a mim, mas já é tarde", disse Finvarb.
"Vai viver na Rússia", gritou um dos moradores durante a sessão. A resposta de militantes de entidades de direitos humanos era chamar de "Hitler" os deputados contrários à prostituição.
"Invocar nesse caso o direito de liberdade sexual é o mesmo que um vendedor de santinhos falar do direito à liberdade de culto", afirmou o deputado Jorge Miguel Srur, da Nova Liderança.



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