São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2004

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ANÁLISE

Ameaças a Cartum não ajudarão Darfur

ADRIAN HAMILTON
DO "INDEPENDENT"

Seria possível imaginar que, depois dos últimos 18 meses, a comunidade internacional tivesse aprendido alguma coisa sobre como coordenar suas ações em caso de crise. Mas não é o que estamos vendo. Temos em mãos uma das piores crises humanitárias de nossa era, no Sudão, e continua a não haver uma política definida para enfrentar a situação.
Vamos enviar soldados, não podemos permitir uma nova Ruanda, dizem os partidários da intervenção. Vamos trabalhar por meio de pressões diplomáticas sobre Cartum, argumentam os defensores da abordagem mais macia. E, entre os extremos, como sempre, temos a ONU, fazendo ameaças fúteis, sendo criticada por sua ineficiência.
É a maneira errada de encarar os fatos. Deveríamos ter aprendido a essa altura, no mínimo, que abordagens "tudo ou nada" são infrutíferas e em geral causam derrotas. Houve pouquíssimas crises internacionais recentes que não fossem bastante óbvias antes de explodir. E seria possível conter quase todas por meio de pressão preventiva em tempo hábil.
O Sudão é um exemplo clássico. Alertas quanto a uma catástrofe iminente vêm-se acumulando há pelo menos um ano, mas até o mês passado virtualmente nada tinha sido feito para pressionar o governo sudanês ou organizar medidas assistenciais práticas.
Agora que a opinião pública internacional está preocupada com Darfur, temos uma súbita intensificação das ações diplomáticas, mas sem um objetivo claro.
Parte do problema, evidentemente, está na estrutura da ONU, em sua falta de instalações e organizações permanentes de segurança e assistência, e em sua dependência quanto à formação de consensos antes de agir. Essas dificuldades foram agravadas pela Guerra do Iraque. No sentido mais prático, a Guerra do Iraque desviou as atenções do Sudão em um momento crítico, no qual a ONU e as grandes potências poderiam, de outra forma, ter concentrado seus esforços.
A idéia de uma "batalha de civilizações" engendrada pela invasão do Iraque é tão forte que os muçulmanos relutam em ver quaisquer medidas tomadas contra Cartum, por medo de que sejam parte de uma guerra ocidental contra seus correligionários, enquanto os países da África e outras nações do Terceiro Mundo se opõem a qualquer intervenção alegando que isso abriria caminho para interferência ocidental mais profunda nos assuntos internos de outros países.
Atitudes como essas são a última coisa de que os pobres moradores de Darfur precisam. Tampouco acredito que adiante muito declarar que a situação deles é um "genocídio", para forçar a ONU a agir. O que está acontecendo no oeste do Sudão não é o mesmo que aconteceu em Kosovo ou Ruanda, e não pode ser definido, estritamente, como genocídio.
É simplesmente uma dessas confusas tragédias locais e tribais geradas pela privação e pela falta de recursos e alimentada por interferência externa, pela presença de um número demasiado de armas e por um governo que vem empregando as forças árabes da Janjaweed no local como prepostos para atingir seus objetivos políticos. Bombardear Cartum não vai fazer com que a situação melhore. Mas não agir tampouco propiciará melhoria.
Alguns dos elementos necessários a uma futura solução já existem. É claro que as propostas atuais são modestas demais e chegam tarde demais, mas, se queremos impedir que esse tipo de desastre continue a acontecer, são essas as avenidas que precisam ser desenvolvidas para o futuro.
Tampouco ajuda muito que procuremos um confronto direto com o governo sudanês, a essa altura. Exigir que eles desarmem a milícia Janjaweed imediatamente é inútil. Cartum não deseja, e possivelmente não pode, fazê-lo. O que a comunidade internacional deveria fazer seria concentrar sua atenção nos refugiados, garantindo mais assistência e construção mais rápida de acampamentos do outro lado da fronteira, no Chade, e provendo forças de segurança (de preferências não oriundas dos países ocidentais) para proteger os refugiados na travessia.
Essas medidas talvez não sirvam para proteger os moradores de Darfur em suas aldeias. Mas impedirão uma catástrofe e deixarão claro para Cartum que a comunidade internacional está pronta para um duelo no ponto onde isso é mais importante: no local onde as vidas de civis estão ameaçadas. Depois será possível reforçar a pressão sobre Cartum pela volta dos civis não por meio de ameaças, mas enfatizando simplesmente que o Sudão não encontrará apoio ou assistência da comunidade internacional até que cumpra suas obrigações.


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