São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2007

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Crise do clima favorece extremos

Aquecimento global tem parte da culpa por secas e enchentes das últimas semanas, dizem cientistas

Estudo diz que lugares secos ficarão ainda mais secos, e os úmidos, mais úmidos; climatologistas ainda não têm consenso sobre tema

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os eventos climáticos extremos registrados pelo mundo nas últimas duas semanas somaram um número incomum de desastres ambientais. Esses cataclismos -desde as enchentes no Reino Unido e na China até a seca incendiária em países mediterrâneos- não podem ser individualmente atribuídos às mudanças induzidas pelo aquecimento global, dizem os cientistas. Mas a crise do clima têm, sim, sua parcela de culpa.
Segundo climatologistas, eventos como chuvas muito acentuadas são comuns dentro da variabilidade natural do tempo, que sempre existiu. Modelos de computador que tentam estimar como será o clima num futuro de aquecimento global, porém, concluem que o agravamento do efeito estufa deve mesmo favorecer um aumento na freqüência de eventos extremos.
"Analisando o ciclo hidrológico [evaporação, chuva e fluxo da água], vemos que, nos últimos 30 ou 50 anos, lugares que normalmente são úmidos estão ficando mais úmidos, e lugares secos estão ficando mais secos", disse à Folha a climatologista Jacinthe Lacroix, da Environment Canada, agência ambiental do governo canadense.

Águas migrantes
O grupo de pesquisa de Lacroix é um dos mais avançados na análise de padrões pluviométricos regionais e, coincidentemente, publicou na semana passada o primeiro estudo abrangente relacionando a mudança climática global diretamente a um padrão de "migração" de chuvas. A grande novidade do trabalho, publicado na revista "Nature", foi estabelecer algumas faixas de latitude onde a tendência é o aumento de chuvas e outras que deverão ter mais secas.
Na zona que ganha umidade estão lugares como o Reino Unido, enquanto na zona de aridez em alta está o Saara. O que o estudo da Environment Canada fez em relação às chuvas já havia sido feito em relação à temperaturas por outros cientistas. Mas quando o assunto é água -e não só o termômetro- o cenário é bem mais complexo.
Uma maioria segura de climatologistas concorda quanto às tendências de aquecimento conhecidas, mas ainda não há um grande consenso sobre o que elas vão fazer com as chuvas. A culpa disso é do ciclo hidrológico, que é muito mais difícil de representar em termos matemáticos -assim, os computadores não conseguem estimar a distribuição de umidade.
"De qualquer modo, as projeções dos modelos estão dizendo que o que vamos ver no futuro é isso mesmo: o úmido ficando mais úmido, e o seco ficando mais seco", diz Lacroix. "Sobretudo no caso dos lugares úmidos, o que vemos é que grande parte da precipitação ocorre na forma de chuvas muito fortes."
Por lidarem muito mais com médias na hora de processar estatística do clima, os modelos de computador também têm dificuldade na hora de prever extremos. O estudo da Environment Canada, por exemplo, pode levar a um raciocínio equivocado sobre as chuvas no Brasil. O estudo prevê mais chuvas para duas áreas que outros pesquisadores acreditam que ficarão mais secas.
"A maioria dos modelos [de computador] mostra que haverá uma certa redução de chuva no Nordeste do Brasil e também -mas não muito- na Amazônia", diz o climatologista José Marengo, do Cptec (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos), de Cachoeira Paulista. "Eles [os canadenses] usaram médias de todas as latitudes, mas numa parte da mesma latitude pode chover muito e, em outra, pouco. Isso não dá muito detalhe."

La Niña
Para Marengo, há mais uma peça importante para explicar o clima global de 2007. "Temos observado neste ano que há condições que se assemelham muito a um fenômeno La Niña -o esfriamento das águas equatoriais do Pacifico", diz. "Essas características são, por exemplo, monções intensas na Índia, frio excessivo nos Andes e mais neve na América do Sul."
Essa pode ser a explicação, por exemplo, para a incomum nevasca que cobriu Buenos Aires no início de julho. Dias muito frios ainda podem existir num cenário de aquecimento global, mas devem ser cada vez mais escassos, diz Marengo.
Eventos de chuva, porém, são em parte culpa da emissão de gases do efeito estufa e outra parte culpa da variabilidade natural do clima. Mas pode ser perda de tempo tentar descobrir quem é "mais" culpado.
"Essa é a questão errada", diz Kevin Trenberth, do Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica dos EUA. O cientista, que publicou um estudo relacionando a potência dos superfuracões de 2005 ao efeito-estufa, diz que o que importa mesmo é a soma. "Aquilo que poderia ser um "extremo moderado", se torna um "extremo extremo" em uma outra circunstância."
Trenberth, porém, vê uma espécie de "assinatura" do aquecimento global quando secas e enchentes ocorrem ao mesmo tempo. "O calor extra do efeito estufa acentuado tem de ir para algum lugar. Parte dele vai para a evaporação [e para a chuva]. Em lugares onde não está chovendo, ele resulta em secas e ondas de calor."


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