|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crise do clima favorece extremos
Aquecimento global tem parte da culpa por secas e enchentes das últimas semanas, dizem cientistas
Estudo diz que lugares secos ficarão ainda mais secos, e os úmidos, mais úmidos; climatologistas ainda não têm consenso sobre tema
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Os eventos climáticos extremos registrados pelo mundo
nas últimas duas semanas somaram um número incomum
de desastres ambientais. Esses
cataclismos -desde as enchentes no Reino Unido e na China
até a seca incendiária em países
mediterrâneos- não podem
ser individualmente atribuídos
às mudanças induzidas pelo
aquecimento global, dizem os
cientistas. Mas a crise do clima
têm, sim, sua parcela de culpa.
Segundo climatologistas,
eventos como chuvas muito
acentuadas são comuns dentro
da variabilidade natural do
tempo, que sempre existiu.
Modelos de computador que
tentam estimar como será o clima num futuro de aquecimento global, porém, concluem que
o agravamento do efeito estufa
deve mesmo favorecer um aumento na freqüência de eventos extremos.
"Analisando o ciclo hidrológico [evaporação, chuva e fluxo
da água], vemos que, nos últimos 30 ou 50 anos, lugares que
normalmente são úmidos estão
ficando mais úmidos, e lugares
secos estão ficando mais secos", disse à Folha a climatologista Jacinthe Lacroix, da Environment Canada, agência ambiental do governo canadense.
Águas migrantes
O grupo de pesquisa de Lacroix é um dos mais avançados
na análise de padrões pluviométricos regionais e, coincidentemente, publicou na semana passada o primeiro estudo abrangente relacionando a
mudança climática global diretamente a um padrão de "migração" de chuvas. A grande novidade do trabalho, publicado
na revista "Nature", foi estabelecer algumas faixas de latitude
onde a tendência é o aumento
de chuvas e outras que deverão
ter mais secas.
Na zona que ganha umidade
estão lugares como o Reino
Unido, enquanto na zona de
aridez em alta está o Saara. O
que o estudo da Environment
Canada fez em relação às chuvas já havia sido feito em relação à temperaturas por outros
cientistas. Mas quando o assunto é água -e não só o termômetro- o cenário é bem
mais complexo.
Uma maioria segura de climatologistas concorda quanto
às tendências de aquecimento
conhecidas, mas ainda não há
um grande consenso sobre o
que elas vão fazer com as chuvas. A culpa disso é do ciclo hidrológico, que é muito mais difícil de representar em termos
matemáticos -assim, os computadores não conseguem estimar a distribuição de umidade.
"De qualquer modo, as projeções dos modelos estão dizendo que o que vamos ver no futuro é isso mesmo: o úmido ficando mais úmido, e o seco ficando
mais seco", diz Lacroix. "Sobretudo no caso dos lugares úmidos, o que vemos é que grande
parte da precipitação ocorre na
forma de chuvas muito fortes."
Por lidarem muito mais com
médias na hora de processar estatística do clima, os modelos
de computador também têm
dificuldade na hora de prever
extremos. O estudo da Environment Canada, por exemplo,
pode levar a um raciocínio
equivocado sobre as chuvas no
Brasil. O estudo prevê mais
chuvas para duas áreas que outros pesquisadores acreditam
que ficarão mais secas.
"A maioria dos modelos [de
computador] mostra que haverá uma certa redução de chuva
no Nordeste do Brasil e também -mas não muito- na
Amazônia", diz o climatologista José Marengo, do Cptec
(Centro de Previsão de Tempo
e Estudos Climáticos), de Cachoeira Paulista. "Eles [os canadenses] usaram médias de
todas as latitudes, mas numa
parte da mesma latitude pode
chover muito e, em outra, pouco. Isso não dá muito detalhe."
La Niña
Para Marengo, há mais uma
peça importante para explicar
o clima global de 2007. "Temos
observado neste ano que há
condições que se assemelham
muito a um fenômeno La Niña
-o esfriamento das águas
equatoriais do Pacifico", diz.
"Essas características são, por
exemplo, monções intensas na
Índia, frio excessivo nos Andes
e mais neve na América do Sul."
Essa pode ser a explicação,
por exemplo, para a incomum
nevasca que cobriu Buenos Aires no início de julho. Dias muito frios ainda podem existir
num cenário de aquecimento
global, mas devem ser cada vez
mais escassos, diz Marengo.
Eventos de chuva, porém, são
em parte culpa da emissão de
gases do efeito estufa e outra
parte culpa da variabilidade natural do clima. Mas pode ser
perda de tempo tentar descobrir quem é "mais" culpado.
"Essa é a questão errada", diz
Kevin Trenberth, do Centro
Nacional para Pesquisa Atmosférica dos EUA. O cientista, que
publicou um estudo relacionando a potência dos superfuracões de 2005 ao efeito-estufa,
diz que o que importa mesmo é
a soma. "Aquilo que poderia ser
um "extremo moderado", se torna um "extremo extremo" em
uma outra circunstância."
Trenberth, porém, vê uma
espécie de "assinatura" do
aquecimento global quando secas e enchentes ocorrem ao
mesmo tempo. "O calor extra
do efeito estufa acentuado tem
de ir para algum lugar. Parte
dele vai para a evaporação [e
para a chuva]. Em lugares onde
não está chovendo, ele resulta
em secas e ondas de calor."
Texto Anterior: Manhattan e Miami ibéricas expõem excesso à beira-mar Próximo Texto: Frase Índice
|