São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2007

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Venezuela e Irã lucram com elo ideológico

Chávez e Ahmadinejad anunciam 200 convênios que totalizam US$ 9 bi em vários setores; Ortega e Morales seguem exemplo

Negócios e parcerias que vão de fábricas de bicicletas a de laticínios surgiram de afinidade geopolítica, mas laço entre líderes é criticado

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Enquanto projetos regionais como o Gasoduto do Sul emperram, a Venezuela e o Irã vêm inaugurando empreendimentos bilionários e anunciando outros em ritmo alucinante, numa parceria em que motivações geopolíticas aparentam predominar sobre o cálculo econômico.
Somente neste ano, foram inauguradas na Venezuela uma empresa estatal de laticínios e outra de plástico, ambas construídas com tecnologia iraniana, e uma fábrica de automóveis de capital misto.
Outros projetos binacionais estão sendo implantados, entre os quais a construção de 7.000 casas populares, além de fábricas de cimento, suco, pólvora, ônibus e até de bicicleta.
Também há projetos do outro lado do Atlântico. O presidente Hugo Chávez fez a sua sexta visita ao Irã no início de julho para inaugurar uma fábrica petroquímica de capital misto. A planta, em Asaluyeh (sul), tem capacidade para produzir anualmente 1 milhão de toneladas de metanol (solvente industrial). Uma fábrica semelhante está em construção em Sucre, leste da Venezuela.
Caracas também foi a quem o Irã recorreu em julho para contornar seu problema de racionamento de gasolina -rico em petróleo, o país tem pouca capacidade de refino. Chávez concordou em exportar o produto, mas o volume e o preço estão sob sigilo.
Ao todo, os dois países já assinaram cerca de 200 convênios, envolvendo ao menos US$ 9 bilhões, segundo declaração recente do vice-ministro iraniano para a Pequena Indústria, Mohsen Shaterzadeh.
O maior símbolo da aproximação entre os dois países é o vôo semanal da estatal venezuelana Conviasa entre Caracas e Teerã, com escala em Damasco (Síria). Ridicularizado na época de seu lançamento, em março, a rota é um sucesso de vendas: na sexta-feira, só havia assentos disponíveis a partir do dia 6 de outubro, a maioria tomada por funcionários dos dois governos.

"Irmão ideológico"
A aliança com Irã talvez seja a mais bem-sucedida do esforço de Chávez para se aliar com países diplomaticamente mais distantes dos EUA, como a Rússia, seu principal fornecedor de material bélico, e a China, interessada nas imensas reservas de petróleo venezuelanas.
Nenhuma dessas aproximações, no entanto, repete a química entre Chávez e o colega iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, a quem chama de "irmão ideológico". E seus principais aliados na região parecem seguir o mesmo rumo: o presidente nicaragüense, Daniel Ortega, esteve em Teerã em junho, e o boliviano Evo Morales fará o mesmo em setembro.
"A aliança se baseia em se aproximar de países que têm o interesse de minar a influência americana em suas regiões", disse à Folha o cientista político americano Daniel Hellinger, especialista em Venezuela.
Para o analista, a aliança econômica faz sentido na medida em que são países que têm uma visão nacionalista sobre a produção de petróleo. Hellinger, no entanto, critica a relação pessoal entre Chávez e Ahmadinejad -que costuma negar o Holocausto judaico e mantém um criticado programa nuclear sancionado pela ONU.
"É perfeitamente razoável para a Venezuela construir relações cordiais com o Irã, mas a relação pessoal entre Chávez e Ahmadinejad é outra questão. Tenho muito mais simpatia pelos palestinos do que por Israel, mas ao mesmo tempo Ahmadinejad foi muito além de qualquer declaração razoável ao falar sobre o Holocausto."
Durante dez dias, a Folha reiterou diversas vezes um um pedido de entrevista com o vice-ministro venezuelano para o Oriente Médio, Vladimir Villegas, mas não teve resposta.
Na Venezuela, a aliança com Irã sofre duras críticas da oposição. "É um país que de alguma maneira financia grupos terroristas e, dessa perspectiva, não é bom ver Caracas associada a um governo que tem uma claríssima má imagem no cenário internacional", diz Timoteo Zambrano, porta-voz do Um Novo Tempo (UNT), principal partido opositor.


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